Divulgação Luiz Hanns Luiz Hanns é psicólogo, psicanalista e um dos maiores estudiosos e conhecedores da obra de Sigmund Freud aqui do Brasil, sendo o responsável pela tradução de diversos livros do psicanalista austríaco para o português. Formado em Psicologia pela USP e com mestrado e doutorado pela PUC, atualmente ele tem se especializado em educação infantil, felicidade e relacionamento e acaba de lançar o livro A Equação do Casamento - O que pode (ou não) ser mudado na sua relação, obra que pretende ajustar as expectativas e o convívio dos casais para um relacionamento mais saudável e duradouro. Hanns é um dos convidados da Casa Tpm deste ano e vai estar com a gente este fim de semana no evento promovido pela revista Tpm. Playlist da semana: Dire Straits - Southbound Again
Ben Howard - The Wolves
Angus and Julia Stone - Paper Aeroplane
Julie Delpy - Mr. Unhappy
Jorge Ben Jor - Quero Esquecer Você
Luiz Hanns
Um rolê com Sasha Grey
Sasha espera a van que a levaria até uma emissora de TV do lado de fora do hotel onde está hospedada, na região da avenida Paulista. Ela é uma garota de 25 anos despachada, daquelas que sorriem sempre que cumprimenta as pessoas ou quando fala sobre os livros prediletos. Pisa na calçada com o tênis preto, estilo botinha, e está prestes a atravessar uma das alamedas mais movimentadas dos Jardins, bairro nobre de São Paulo, acompanhada apenas por Jessica, uma das suas melhores amigas. Vendo-a parada ali, bem vestida com calças escuras, regata soltinha no corpo, blazer preto, bolsa a tiracolo, é difícil imaginar que estamos diante de um dos maiores mitos do cinema pornô, de uma mulher que esteve em quase 300 produções, já transou com seis caras ao mesmo tempo para um filme, e levou o sexo oral a profundidades inimagináveis. E também é uma das figuras mais interessantes da cultura pop: virou queridinha do diretor cult Steven Sodenbergh, com quem filmou Confissões de uma garota de programa (2009); participou de clipe do rapper Eminem; e foi parte da banda de rock industrial aTelecine. É na van que a leva do centro expandido à Zona Sul onde conversamos com ela, que veio a São Paulo para divulgar Juliette society, seu primeiro romance erótico. Na entrevista abaixo, ela fala sobre ser uma das poucas atrizes do pornô americano a fazer sexo inter-racial, comenta a polêmica (não) depilação de Nanda Costa e revela a obsessão por comprar discos e DVDs. Mas se você é como o motorista que a acompanhou pela cidade, que era só elogios à simpatia da moça, mas até agora não tinha ideia de quem é Sasha Grey, aí vai um breve resumo. Nascida na Califórnia, ela entrou na indústria pornô assim que completou 18 anos. Não só porque era um jeito rápido de ganhar um bom dinheiro, mas porque queria explorar a própria sexualidade (apesar de ter sido uma das últimas da turma a perder a virgindade, aos 16). Nos filmes em que atuou, protagonizou cenas pesadas – na primeira delas, pediu ao cara com quem estava transando que lhe desse um soco no estômago – que logo conquistariam legiões de fãs por suas performances e lhe renderiam os principais prêmios do gênero. Aos 21, Sasha decidiu se aposentar do mundo da pornografia. Desde então, filmou com o diretor cult Steven Sodenbergh, continuou tocando com a banda de rock industrial aTelecine, publicou dois livros (além de Juliette, lançou NEU SEX em 2011, que compila suas fotografias nos bastidores do pornô) e leu para crianças. Ah, também é fã de Nietzsche, Sartre e dos Bad Brains (banda americana de hard core); é ativista gay, defende o empoderamento feminino e o acesso universal à leitura, não frequenta festas “a não ser quando precisa discotecar”, pratica pilates, acaba de vender os direitos de seu romance para o cinema. E ainda consegue dar risadas nesta entrevista, em meio a uma agenda insana de divulgação do livro. Trip. Sasha, você está em todos os lugares! Todos os repórteres querem falar com você, a noite de autógrafos ontem foi uma loucura, vi você em programas de TV, você discotecou aqui... Imaginava que a passagem pelo Brasil fosse quase como a vinda da Madonna? O que a palavra “prazer” significa para Sasha Grey? Você se vê como uma figura que explora o prazer em todos os sentidos? Você poderia tentar escrever um livro de culinária, todo mundo faz isso hoje em dia [risos]. Sasha, as pessoas costumam comparar seu Juliette society com o best-seller 50 tons de cinza por serem livros eróticos escritos por mulheres. O que você pensa dessas comparações? Acho que há uma diferença específica entre os dois textos: em 50 tons, a personagem praticamente serve o que o cara quer. Já no seu livro, a Catherine é protagonista do próprio prazer. Sei que você é uma leitora voraz [ela abre um sorrisão]. O que você leu enquanto escrevia Juliette society? Como você gostaria que seu livro fosse lido? Por falar em tabu, alguém já te falou da Nanda Costa? É uma atriz brasileira que saiu na última edição da Playboy e causou polêmica porque não se depilou totalmente. Algumas pessoas acham que ela deveria ter tirado tudo porque é mais bonito e higiênico, outras acham que está bonito assim. Como o assunto depilação te afeta? Você está aposentada há quatro anos do cinema pornô. O que vê quando olha para trás? Você sofre preconceito por ser uma ex-atriz pornô, como quando os pais de uma escola infantil nos Estados Unidos a impediram de continuar lendo para as crianças. Mas, dentro da própria indústria, presenciou cenas de preconceito? Os filmes inter-raciais – ainda considerados um gênero à parte – nunca foram problema para você? Que absurdo. E você nunca mesmo ganhou um extra por cenas assim? É triste, mas ainda assim sua atitude é revolucionária. E o que vale uma boa briga para Sasha Grey? Você também é ativista pelos direitos das mulheres, pelos direitos gays... É uma coisa bonita de se ouvir. Falando de assuntos mais leves, você é uma fã de punk e hard core. Quais são suas bandas favoritas e o que tem escutado ultimamente? Você também é viciada em comprar discos, certo? Quais foram suas últimas aquisições? Essa compulsão é só por discos? Você conseguiu comprar alguma coisa aqui no Brasil? Depois te dou algumas dicas, se você quiser. Vem cá, você está namorando ou saindo com alguém, algo do tipo? Ele é americano, de onde ele é? Melhor não falar sobre isso?
É arrebatador e surpreendente. Não tinha ideia do que esperar, especialmente da noite de autógrafos.
Bem, o prazer não precisa ter necessariamente a ver com a sexualidade, eu acho. Ele precisa preencher todos os sentidos, então podemos nos sentir estimulados física e mentalmente e isso não necessariamente quer dizer que estamos excitados. Mas também não quer dizer que precisamos estimular todos os sentidos para ficar com tesão.
Sim, mas não em todos os sentidos, sabe, não sou uma chef de cozinha... Mas talvez eu faça isso, quem sabe?
É bem verdade. Minha personagem é bem mais forte e independente do que a de 50 tons de cinza. Claro, muitas mulheres gostam de agradar o parceiro e sentem prazer nisso. E a Catherine até pode querer ser sexualmente submissa, mas ela quer mais é controlar a situação para chegar até onde ela quer. Essa é a grande diferença.
Ah, bastante coisa. Mas as principais influências são The sadeian woman, de Angela Carter, 120 dias de Sodoma, de Sade, e tudo o que ele escreveu.
Apesar de ser um romance erótico, ele também é divertido. O gênero erótico também representa a visão de um autor sobre seu tempo, então espero que isso aconteça com Juliette society. Que as pessoas riam e não levem tudo tão a sério. Até mesmo os comediantes vivem tempos difíceis porque hoje em dia tudo é tabu.
Não, quem é?
Oh!
Gosto ao natural. Faz com que eu me sentir mais fêmea, mais mulher. Claro que tem gente que sempre vai achar que é nojento e nada sexy, mas sempre haverá pessoas como eu, que acham que é sexy, sim.
É estranho, porque agora estou fora do pornô por mais tempo do que realmente estive nele [dos 18 aos 21]. Quando olho para trás e vejo o que conquistei, às vezes fico chateada, como quando penso na produtora que tentei criar e não deu certo. Isso me frustra às vezes. Mas se não fosse por tudo o que vivi, talvez não estivesse aqui hoje.
Pensava quer o pornô seria um tipo de ambiente em que todo mundo tivesse a cabeça aberta e respeitasse as preferências das outras pessoas. Na verdade, conheci muitas pessoas realmente homofóbicas e sempre achei isso tão bizarro. Ou pessoas que agiam da mesma forma quanto ao sexo inter-racial. É engraçado, porque elas já estavam fazendo sexo, que é uma das coisas mais íntimas que uma pessoa pode fazer, diante de uma câmera. E tinham medo de fazê-lo com uma pessoa de outro sexo ou com outro tom de pele? Ou julga alguém só porque gosta de pessoas do mesmo sexo? Isso sempre me chocou.
No começo da minha carreira, umas garotas me disseram “ah, você ganha um extra por fazer inter-racial” [imita a voz de uma menininha esganiçada]. E eu pensava: “O quê? O que vocês estão pensando? Vocês estão malucas?”. Tá, podia ser até um jeito de fazer mais dinheiro, mas sempre me pareceu errado. Já conheci atrizes que não topavam fazer cenas solo de masturbação com um pênis de borracha negro porque consideravam sexo inter-racial.
Não, nunca. Nem passou pela minha cabeça.
Na verdade, nunca pensei sobre isso porque simplesmente nunca foi uma questão para mim. Cresci em uma vizinhança cheia de diversidade em que não importava a cor da pele.
Ler, obviamente, é um direito universal e todos deveriam ter acesso a isso. Eu gostaria de passar o resto da minha vida encorajando crianças ou comunidades inteiras a ler. Outra coisa: por causa do meu passado – e porque as pessoas costumam associar o pornô à violência e à misoginia – tenho pensado cada vez mais em mudar essa perspectiva, de alguma forma. Bem, se o pornô pode ser mesmo considerado violento, por que não ajudar mulheres que sofrem violência sexual? Quando eu era mais nova e ouvia histórias de abuso, principalmente em relacionamentos, costumava pensar: “OK, a mulher é livre pra fazer o que quiser, então porque simplesmente não abandonou o cara?”. Agora, mais velha e com mais consciência, percebo como essas situações são delicadas, pensar em uma garota sofrer abuso parte meu coração e me faz refletir sobre o que posso fazer para ajudar. E não acho que precisa de muito, hoje em dia a internet é muito poderosa para conscientizar as pessoas. Tem um site chamado Change.org [plataforma internacional de abaixo-assinados], que apoia questões de direitos humanos no mundo todo. Eles realmente fazem a diferença em vez de atrair atenção da mídia para conseguir mais publicidade.
Especialmente por causa da internet, os escândalos sexuais têm vitimado garotas exploradas por pessoas em quem elas pensavam que podiam confiar só porque estava do outro lado do mouse. Com a rede, as pessoas têm desenvolvido um complexo de que podem se livrar de tudo só porque estão na internet. Por isso também temos que ensinar as mulheres a se sentirem seguras com a própria sexualidade e ensinar os jovens que o mundo não é bonito, não são só flores e arco-íris, para que tenham um suporte firme e saibam lidar com essas situações.
Uau, tenho muitas bandas favoritas. The Clash, claro. Bauhaus, Joy Division, Bad Brains. Estou bem surpresa com o novo álbum do David Bowie. E, ah, tem outra banda que se chama The Skins, eles são super punk rock, com um som rápido, e têm uma vocal feminina que é insana.
Ah, foi mais ou menos uma semana antes de embarcar para cá, mas não sei... Nem ao menos sei quantos discos comprei. Às vezes entro em uma loja de discos e, momentos depois, olho para a sacola nas minhas mãos e penso “Caralho, como isso foi acontecer?”. Realmente não consigo me lembrar de tudo o que comprei [risos]!
Acho que meus grandes vícios são discos, DVDs e Blu-Rays.
Não, mas eu adoraria saber onde posso ir.
Sim… Tem alguém por quem realmente estou apaixonada.
É…
Melhor não.
Marcelo Freixo
Trip Transformadores Marcelo Freixo Ele nunca foi preso, mas já passou um bom tempo dentro da cadeia. Deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL, sua trajetória inspirou a criação de um dos personagens centrais da franquia Tropa de Elite, um dos filmes mais importantes e mais assistidos do cinema nacional, e sua rotina é marcada por combates mais cascas-grossa do que qualquer luta de MMA. Natural de Niterói e formado em História, ele já coordenou inúmeros projetos educativos junto ao sistema penitenciário e é figura de destaque na defesa dos direitos humanos e na luta contra a corrupção aqui no Brasil. Como deputado, entre seus feitos mais importantes estão a instauração das CPIs do Tráfico de Armas e das Milícias, que revelou ao país a existência e o perigo que representa esta organização mafiosa. "O que aconteceu no Brasil em 68, na luta pelas Diretas já, o Fora Collor, são movimentos incríveis , mas nada disso a entender o que está acontecendo hoje. É diferente. Esse movimento de rede, de rua, esse movimento de massa em tempo de internet tem uma outra lógica de comunicação" O papo deste Trip FM é com o pai do João e da Isa, o marido da dona Renata, o Marcelo Ribeiro Freixo, mais conhecido como Marcelo Freixo, que além disso tudo que a gente citou aqui, também é um dos homenageados do Trip Transformadores deste ano. PLAYLIST DO PROGRAMA: Mayer Hawthorne -- Let me Know Arcade Fire -- Wasted Hours Erasmo Carlos -- Mar Vermelho Baden Baden -- Evidement Rolling Stones -- Street Fighting Man Anote na agenda: O Trip FM vai ao ar na sexta-feira, na Grande São Paulo, às 20h, reprise toda terça-feira, 23h, pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz. Não é de São Paulo? Veja aqui as cidades e as rádios onde o programa é transmitido.
Reprise: Fábio Porchat
Trip FM
Fabio Porchat
Fábio Porchat é, seguramente, um dos maiores fenômenos do humor nacional da atualidade. Carioca criado em São Paulo, foi seu talento, sua cara de pau e uma “invasão” ao Programa do Jô que lhe renderam um convite para trabalhar como roteirista da Rede Globo.
"Já fiz stand up para ninguém"
Passou pelo Zorra Total, Junto e Misturado, Esquenta e, atualmente, integra o elenco fixo do seriado A Grande Família. Mas, por mais improvável que possa parecer, foi a internet que o elevou à condição de astro. Junto com um grupo de amigos, entre eles Antonio Tabet, capa da revista Trip de maio, ele é um dos fundadores do Porta dos Fundos, produtora de vídeos que tem consolidado a tese de que a televisão do futuro é mesmo a internet.
Além do trabalho com o Porta dos Fundos e com o seriado A Grande Família, ainda encontra tempo para participar de produções para o cinema, como o filme Vai que Dá Certo, e também para escrever uma coluna semanal no jornal O Estado de S. Paulo.
Playlist:
Sidarta Ribeiro
Trip Transformadores
Sidarta Ribeiro é um dos mais importantes e laureados cientistas brasileiros e sua área de pesquisa se concentra em uma das máquinas mais fantásticas já concebidas: o cérebro animal.
Natural de Brasília, ele se formou em Ciências Biológicas pela UNB e aprofundou seu conhecimento com mestrado na UFRJ, doutorado na Rockefeller University e pós-doutorado na Duke University. Em 2005, contrariando as expectativas, deixou suas modernas e luxuosas instalações em uma universidade norte-americana e, junto com outros cientistas brasileiros, fundou o Instituto Internacional de Neurociência de Natal. Foi homenageado na primeira edição do prêmio Trip Transformadores, em 2007.
Atualmente é professor titular e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e no seu campo de estudos estão temas como comunicação entre animais não humanos e a ligação entre o sono, os sonhos, a memória e o aprendizado.
Playlist da semana:
Chet Faler - No Diggity
Céu - Cordão da Insônia
Talking Heads - This Must be the Place
Asaf Avidan & the Mojos - The Reckoning
The Mamas and teh Papas - Dream a Little Dream of Me
O não complexo do alemão
Suas pupilas estão dilatadas. Ele acaba de sair do mar e seus olhos continuam mirando as ondas que quebram com força, na casa dos 2,5 metros, em Maresias, litoral norte de São Paulo. “Fui numa que o tubo rodou e deu uma baforada: pshhh! Saí com os lábios e as orelhas doendo, queimando”, conta, sobre uma das ondas que pegou na sessão de tow-in. Assim começa a segunda-feira de Edílson Assunção, 44 anos, vulgo Alemão de Maresias. Costuma acordar bem cedo, perto das 7 horas, e divide seu tempo entre o mar, sua casa e sua “base”, uma pequena marina onde deixa o jet ski, algumas pranchas e seu bote. Não tem carro – no dia a dia usa uma bicicleta – e, se o dia tem onda, fica na água praticamente o tempo inteiro. Em sua última expedição, por exemplo, para Punta Docas, no Chile, onde puxou Carlos Burle e Rodrigo Koxa em ondas que podem ser as maiores já surfadas na história (o veredicto da XXL, o óscar das ondas gigantes, sai só no ano que vem), Alemão passou de 6 a 7 horas por dia na água congelante. “Ele é um homem do mar”, define Burle. “É um cara preparado como poucos no mundo: rema, surfa, conhece vários equipamentos eé determinado.” A “base” de Alemão fica em frente à pracinha de Maresias, a poucos passos da praia. Já sua casa fica a cerca de 1,5 quilômetro do mar, no pé da serra, com dois andares e uma edícula nos fundos, onde funciona uma espécie de escritório com pranchas de todos os tipos (SUPs, bolachinhas, Guns afiadas, modelos para tow-in) e também wetsuits, coletes e remos. Numa das paredes está pendurado um pequeno quadro bem antigo com uma foto do surfista Brock Little dropando Waimea; ao lado, Pepê Lopes entuba numa foto clássica; acima, está uma foto de Alemão com seus 20 e poucos anos num tubo. Cruzando o gramado entre a edícula e a casa, está uma área com mesa, churrasqueira e um forno de pizza. A casa é ampla e confortável – Alemão e Renata, sua mulher, estão aqui há dois anos e agora contam com uma nova pessoa para dividir a área: o recém-nascido Samuel, segundo filho do relacionamento de sete anos dos dois. Alemão também é pai de Clara, 10 anos, fruto de outra relação. Na sala, entre a TV e uma prateleira de troféus, está um remo polinésio e um quadro que ele ganhou em um campeonato de tow-in, em 2008 no Chile. A extrema habilidade na canoa havaiana, nas provas de remada, no big surf e no tow-in fazem de Alemão um legítimo waterman brasileiro – talvez, o maior deles, apesar de não gozar da mesma fama que seus amigos. “Nunca ganhei dinheiro com o surf”, afirma. “O esporte me ajudou a chegar nos lugares que eu quis, é isso. Nunca tive carro nem ambições. Nunca imaginei que eu fosse ter uma casa como essa, por exemplo.” A casa em questão foi presente dos pais de sua mulher. Até então, Alemão viveu por cinco anos em um local bem mais simples, do outro lado da praia. Depois de estar em uma das maiores sessões de surf já registradas na América do Sul e no mundo, ele não acha que tenha chegado ao seu ápice. Tampouco corre atrás de recordes e prêmios: “É lógico que a gente sonha, mas prêmios para tamanhos de ondas são superficiais, não são legítimos. Como se define o cara que surfou a maior em Noronha, no Chile ou em Cortez Bank? Onde a mídia estiver é onde será surfada a maior?”. Nascido em Vaiporã, no Paraná, o filho mais velho de Cisnando e Edna se mudou para São Sebastião em 1979 com os pais e os quatro irmãos. Cisnando era padeiro e Edna cuidava da casa. Em 1980, o pequeno Edílson era escoteiro e foi acampar em Guaecá, a 7 quilômetros dali. Por lá também acampavam biólogos da USP e um deles tinha uma prancha, uma monoquilha havaiana, que emprestou para o garoto brincar. O amigo mais velho que estava com ele tentou ajudar: “Alemãozinho, a série vem assim, de quatro, seis, dez ondas... Nunca pegue a primeira, tem que escolher direito a que você vai pegar”. "Nunca ganhei dinheiro com o surf. Nunca tive carro nem ambições" Foi o estopim para o menino de 10 anos começar a surfar. Dali em diante, vivia de pranchas emprestadas e surfava em Guaecá. Deixou a escola na quarta série e passou a fazer bicos em qualquer tipo de serviço, de limpeza de quintal a ajudante de pizzaiolo, e viu, naqueles anos, a estrada que terminava na praia de Santiago ser estendida até a praia de Maresias, lugar que, pouco tempo depois, passou a frequentar em busca de ondas mais agressivas. Alemão chamava a atenção por surfar bem com qualquer prancha e encarar situações críticas com firmeza e coragem. “O cara se jogava, sempre se jogou. É um monstro”, diz o ex-surfista profissional Taiu Bueno, de quem Alemão foi enfermeiro por dez meses em 1991, depois que ele ficou tetraplégico. Taiu ri: “Ele me tirava da cama, me levava pra lá, pra cá, punha na cadeira. Ele tinha um amigo que tinha um Passat e a gente ia pro Guarujá, ia pra Maresias e eu ficava na casa sentado na cadeira vendo aquele marzão pirado”. Depois, o posto de enfermeiro deu lugar às viagens pelo mundo. “Sempre gostei de desbravar lugares inóspitos, me meter em roubadas”, conta. Após o primeiro contato com o big surf no Peru, onde ficou três meses em 1993, fechou uma expedição ao lado do fotógrafo James Thisted, então da revista Hardcore, para a África do Sul e West Australia. “O Alemão sempre foi muito pilhado e atirado. Pra ele não tem tempo ruim, é um cara que vai pelo feeling”, diz o fotógrafo. A jornada começou na Cidade do Cabo, de onde foram de carro até Jeffreys Bay. “Tinha umas ondas quebrando sem ninguém e o Alemão não queria nem saber. Se tinha onda, ele pegava a prancha e ia. Na Cidade do Cabo, paramos o carro e entramos no mar geladíssimo. Na primeira onda fiz uma sequência que veio a ser a minha primeira capa como fotógrafo e a primeira do Alemão.” Na redação da revista, em São Paulo, os editores perguntaram: “Quem é esse Alemão?”. E veio a resposta que viria a ser seu apelido definitivo: “É aquele Alemão de Maresias”. “Quando a gente saiu do mar”, continua Thisted, “encontramos uns caras que falaram que a gente era louco de surfar ali, porque a água estava gelada demais até para os locais e o lugar era infestado por tubarões.” Esse lado atirado também foi conhecido por Carlos Burle. No outside gelado do Chile, num mar de 80 pés (20 metros), em julho deste ano, Alemão o rebocava com o jet quando disse: “Fica calmo que eu vou pegar a maior da série pra você”. O coração do pernambucano disparou: “Eu sabia que, se viesse a onda, ele ia me colocar nela. Ele tem muito know-how, então, quando falou ‘fica tranquilo’, falei ‘caralho, agora fodeu!’”. Em seguida Alemão o colocou na onda que hoje é tida como uma das maiores já surfadas em toda a história. “A gente estava no limite do limite”, lembra Alemão. Depois da sessão, os dois se abraçaram e fizeram uma prece para agradecer por aquele momento. Depois de um mês na África do Sul, em 1995, Alemão passou três meses em West Australia, numa caverna em Red Bluff, há 1.500 quilômetros de Perth. Em seguida, o surfista então com 25 anos começava a grande peregrinação pelo mundo do surf: um mês na Indonésia, mais três na Austrália, três no Havaí (onde teve seu primeiro contato com as ondas de Waimea e o tow-in) e, finalmente, sete meses na Indonésia, interrompidos abruptamente no final de 1996. A idílica vida de freesurfer em meio a ondas, drogas e rock’n’roll parecia não ter fim. “Eu vivia o sonho, mas faltava alguma coisa”, enxerga atualmente. Depois de perder seu patrocínio e ficar sem dinheiro, se juntou com um cara para levar cocaína do Equador para a Indonésia. Na volta, foi preso no aeroporto Simón Bolívar e passou quatro anos em um presídio na cidade equatoriana de Guayaquil. No início, Alemão dividia a cela de 2,5 por 5 metros com mais um preso. Com o tempo, conseguiu conquistar um espaço um pouco maior. Na primeira semana, viu a polícia matar três que tentaram fugir. Em outra ocasião, foi cercado por quatro presidiários que tentaram lhe roubar e desferiram punhaladas que, segundo Alemão, só não o furaram por um milagre. “Meu desejo era voltar a surfar, ser livre e fazer as coisas direito. Queria mudar minhas atitudes, respeitar mais os outros e olhar mais para as pessoas e para mim. Queria voltar a me descobrir, a ser o Alemão gente fina que a molecada gostava.” Ao que parece, conseguiu o que queria. Neste começo de tarde de segunda-feira, Alemão volta para a água como se estar na terra fosse estar fora de seu hábitat. Um aluno o espera para ser puxado nas ondas. Alemão entra na água com a firmeza de uma rocha e domina o jet ski com habilidade. “No fundo ele gosta mesmo é de ajudar as pessoas”, diz Taiu. Com orgulho da alma caiçara, ele segue sua cruzada como uma das maiores referências atuais do big surf brasileiro, um verdadeiro “indicator”, como diz o jargão do surf: aquele cara que, quando rema para o mar, se você for atrás deve estar ciente de que alguma coisa muito séria vai acontecer ali. *Fernando Gueiros é editor da versão brasileira do Red Bulletin, revista da Red Bull Pacificado Por Paulo Lima Comecinho da década de 80. Pouca gente se aventurava nas estradas de terra e areia que, com muito custo, desembocavam na ainda quase intocada Maresias, escondida no litoral norte paulista. Praticamente não havia crianças na praia. Mulheres eram pouquíssimas. Mas um moleque branco e animado batia ponto nas manhãs de sábado e domingo naquele que depois veio a ser conhecido como o Canto do Moreira. De bicicleta, a pé, de carro, lombo de dromedário, o alemãozinho em questão dava um jeito de vir de São Sebastião e se plantar na beirada do mar. Ficava vendo as ondas e rezando para uma prancha se soltar do dono e vir dar na praia. Quando dava essa sorte, corria para pegar a tábua desgarrada e pular em cima dela para sentir o gostinho de correr uma onda de peito na beirinha. Em dias menos afortunados, se contentava em recepcionar os moleques pouco maiores que ele, que, ao saírem da água, davam de cara com os dentes e os olhos arregalados do alemãozinho. Tudo parte de um grande sorriso cheio de vida. Nessas horas, um pedaço de parafina, deixar pegar uma ondinha na beirada ou mesmo um dedinho de prosa já faziam a cabeça loira daquele molequinho de 11 ou 12 anos fissurado em água salgada desde sempre. Piazza, Paulinho Vainer, Fantinha, Dandão, Roberval e Renato Elkis, Edu Faria, Taiu, Pacelli, este escriba, entre alguns outros privilegiados que encontraram essas ondas ainda recém-descobertas e a praia vazia e sem casas, invariavelmente achavam graça naquele mascotinho branco. Éramos moleques tanto quanto ele, mas nos achávamos incrivelmente experientes do alto dos nossos 18 ou 19 anos. Gostávamos de dar a ele uma mistura de afeto com desafio e tensão. Entre um teco de parafina e um chute na bunda, empréstimo de prancha e uma frase falsamente ameaçadora, íamos criando o efebo e forjando sua fibra para encarar a vida no mar e no mundo. Uma das frases que gostávamos de usar para praticar o espírito de porco macho-man adolescente que cultivávamos era mais ou menos assim: “Alemão, fica esperto que senão vamos fazer essa lombinha”. Um riso nervoso se instalava em seu rosto, como o de um bichinho acuado, apelando para a compaixão da matilha de predadores. Felizmente o que se seguia era só um afago na vasta cabeleira loira do molequinho amoroso e sangue bom. Corte seco para o meio dos anos 90. Dia pesado de ondulação de sul e vento leste. Mais de 2 metros no line-up. Todos no pico com a atenção à flor da pele. Pouca conversa e muito movimento para se posicionar diante das séries rápidas e ocas. Nenhum espaço para brincadeiras ou vacilo. De repente, ouço do meu lado uma voz grossa e brincalhona em tom seguro disparando: “Então, Paulinho, fica esperto que senão vou fazer essa lombinha”. Olho para trás e vejo aquele mesmo sorriso sincero, rasgado e cheio de carinho, só que agora rodeado por um maxilar quadrado, barba vermelha cerrada e uma caixa de músculos estufados e prontos para entrar em ação. Nosso bichinho de goiaba havia se transformado numa máquina de ler as ondas e voar no mar, com uma intimidade, um senso de colocação e uma naturalidade que poucas vezes vi em qualquer cidadão disposto a enfrentar os sete mares por onde andei. Aquela versão de Chuck Norris praiana me disse palavras amistosas, me desejou o melhor e partiu para fazer o que sabe como ninguém: tirar as ondas para dançar. Deu um show. Sem arrogância, sem se achar melhor que ninguém, sem esperar fotos, troféus ou cheques. Algum tempo depois, passei a ver seu nome por aí, sempre ao lado de figuras notáveis, como Taiu, Caixa d’Água, Pacelli, Burle, Formiga, Mancuzzi e outros, e na frente ou por dentro de ondas descomunais. Quando vacilou, indo tirar cadeia no Equador, mandamos um repórter até lá para ver como ele estava. O relato foi dentro do esperado. Alemão havia cativado a cadeia toda, virou pizzaiolo, servia detentos, guardas e visitas. Com sua humildade notável e seu saber intuitivo, tirou o castigo da melhor maneira possível, repensando a vida para reconstruí-la em seguida. Durante todo esse tempo me perguntei por que um dos caras mais predestinados para dialogar com o mar e dançar com ele um pas-de-deux tão perfeito não conseguiu se beneficiar um pouco mais de seu próprio talento. Por que diabos não tem três ou quatro patrocinadores, uma casa legal, conta gorda no banco e poupança graúda? Teria nascido um pouco antes da hora certa e perdido o timing da geração que passou a ganhar melhor com o surf? Ser filho de gente muito simples pesou? Faltou uma faculdade? Seus traços rústicos, apesar de belos, não o credenciavam para o padrão estético das marcas? Quando ouço o Alemão e sua fala leve, amorosa, calma, de alguém que parece exalar conforto com a própria existência e um tipo de plenitude que não se vê mais por aí, livre de qualquer sentimento menor ou complexo de inferioridade, penso que, na verdade, o Alemão de Maresias não precisa de mais nada. Apenas de ficar com os pés na água salgada, olhando pras ondas, sorrindo para quem passar. Tenho a impressão de que ele é um dos únicos que pode responder um verdadeiro, monossilábico e sincero SIM diante da caixa de supermercado e de sua indefectível pergunta: encontrou tudo que precisava?Caçar ondas gigantes e enfrentar o mar em todas as suas formas não é sonho, e sim cotidiano para Edílson Assunção, o Alemão de Maresias. Mas por que um dos mais habilidosos watermen do planeta não recebe o reconhecimento à altura de seus feitos e dos depoimentos entusiasmados de gente como Carlos Burle, Pedro Scooby e Taiu?
Lucas Santtana
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Lucas Santanna é um dos grandes destaques da nova geração da música brasileira. Soteropolitano, ele é filho do Roberto Sant'Anna, importante produtor musical brasileiro, e primo de Tom Zé, que dispensa apresentações.
Multi-instrumentista, começou tocando flauta transversal em orquestras jovens, estudou música na Academia de Música Atual e na Universidade Federal da Bahia. Em 1994, deixou os estudos para tocar com Gilberto Gil. Além da colaboração com Gil, trabalhou ainda com Caetano Veloso, Chico Science e Nação Zumbi, entre outros. Como compositor, suas músicas já foram gravadas por Marisa Monte, Fernanda Abreu, Adriana Calcanhoto, Céu e Daniela Mercury.
Seu primeiro disco solo saiu no ano 2000, o Eletro Ben Dodô. Em 2009 lançou o Sem Nostalgia, álbum que alcançou enorme repercussão e que conquistou diversos prêmios tanto no Brasil quanto na Europa. No ano passado lançou seu quinto álbum, o O Deus que Devasta mas Também Cura.
Playlist da semana:
Al Green - Take me to the River
KyMani Marley e Dominguinhos - Brasil (Little Sunday)
Leonard Cohen - The Future
Jack White - I'm Shaking
Lucas Santtana - O Deus que Devasta mas Também Cura
Vamos Pro Quarto
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Em 2002 surgia Cérebro Eletrônico, banda criada por Tatá Aeroplano e Fernando Maranho. Em 11 anos de carreira foram lançados três álbuns totalmente singulares, com toques que vão do tropicalismo ao eletrônico - Onda Híbrida Ressonante (2003), Pareço Moderno (2008) e Deus e o Diabo no Liquidificador (2010).
Hoje eles lançam gratuitamente na internet o seu quarto álbum, Vamos Pro Quarto. São nove músicas que permitem notar uma entrega maior ainda à experimentação de novas formas de se fazer música. Cada faixa é uma sensação sonora diferente e é isso que caracteriza o trabalho da banda. Um brinde aos pássaros, música que abre o CD, é inesperada. A melodia não segue uma linha lógica e surpreende positivamente a cada segundo. Não Bateu Nosso Santo é mais dançante, seguida de Oh! My Lou, uma balada com a participação do músico Peri Pane no violoncelo.
A produção ficou por conta da própria banda, com coprodução e mixagem por Otavio Carvalho. As gravações foram feitas no estúdio Submarino Fantástico e a masterização feita por Fernando Takara, do estúdio El Rocha.
Conversamos com Tatá Aeroplano, que contou mais sobre o novo trabalho:
Vocês se permitiram ir em busca de novas formas de expressão musical nesse trabalho ou isso surgiu naturalmente depois de lançarem três CDs? A gente foi passar um fim de semana no sítio com a ideia de criar canções a partir do nada. Não valia chegar lá com uma música, elas teriam que sair daquele momento. As canções que rolaram nasceram dali, muito espontâneo e que foi muito em função do nosso encontro com o André Abujamra, que disse que o lance era a banda criar um disco dessa maneira. Dedicamos o disco pro Abu e pro Flávio Guaraná, que tinha o estúdio onde nós ensaiamos desde a criação do Pareço Moderno.
A escolha por faixas mais longas tem algum significado ou vocês apenas deixaram fluir? Nós deixamos fluir tudo coletivamente, foi um processo muito livre e altamente dinâmico. Gravamos nove músicas e ficaram, provavelmente, mais de nove músicas de fora.
E como foi no sítio? No site diz que "o disco foi concebido em um fim de semana alucinante nas montanhas". Passamos um fim de semana chuvoso dentro de um chalé. O lance então foi tocar ininterruptamente! Chegamos na madrugada de sexta pra sábado e só paramos para comer e olhe lá. Eu sei que eu dormi tipo umas quatro ou cinco horas durante todo o processo. O resto foi muita música rolando mesmo.
A composição das letras e produção foram coletivas, certo? As letras e as melodias eu fui criando ao mesmo tempo que a banda começava a compor uma música, um groove... A gente já se ligava que estava rolando um música e seguiamos em frente com a ideia. Somente a canção "Libertem os Faunos" teve letra e melodia feitas pelo Fernando Maranho. A produção do disco foi coletiva. Gravamos o disco no Submarino Fantástico e teve co-produção do Otávio Carvalho.
O show de lançamento vai ser dia 10 de outubro, aqui em São Paulo. As experimentações sonoras vão refletir no palco também? Estamos ensaiando pra isso acontecer.
A apresentação vai ter participações especiais? Peri Pane fará uma participação especial conosco, mas não podemos adiantar o que vai rolar ainda!
Vamos pro quarto pode ser entendido como uma metáfora? É uma metáfora, ou melhor, são várias metáforas. A primeira ideia de nome era outra, mas ai, lá nas montanhas, eu disse pra alguém da banda brincando: "Vamos Pro Quarto Baby!?" Ai a gente viu que esse era o nome do disco.
Em 11 anos de carreira e agora com quatro CDs lançados, você, Tatá, se acha mais livre para experimentar e explorar novas formas de criar música? Sim, sim. É lindo demais poder criar discos com liberdade. Acaba viciando. Esse ano passei boa parte dentro do estúdio, fazendo o Cérebro, fazendo um disco não identificado - o que chamo de disco ovni - e participando da produção dos discos do Juliano Gauche e Gustavo Galo.
Fernando Maranho também contou para a Trip sobre o Vamos Pro Quarto: "Foram 3 dias em que ficamos ali, 24 horas, pirando com os equipamentos montados no meio da sala, por vezes trocando de instrumentos, sem parar. Sairam cerca de 20 a 30 ideias já muito bem estruturadas. Adicionamos algumas poucas ideias de arranjo durante as gravações. Não houve ensaios antes de entrarmos no estúdio, o que foi uma experência nova e muito bacana também. É um disco completamente coletivo e posso afirmar que esse é definitivamente um disco da banda inteira, diferente dos anteriores que tinham mais composições minhas e do Tatá."
Capa do CD
Anote na agenda: dia 25 de setembro, quarta-feira, vamos rebecer o Tatá Aeroplano aqui na redação para um hangout com transmissão ao vivo através das nossas redes do Google Plus. Você pode acompanhar a partir das 16h, ouvir as músicas, saber o que o Tatá tem a dizer sobre elas e também mandar as suas perguntas.
Vai lá: Vamos Pro Quarto - Cérebro Eletrônico
Download disponível e venda de CDs no www.cerebrais.com.br
Show de lançamento: 10 de outubro, quinta-feira
Sesc Vila Mariana - R. Pelotas, 141 - Vila Mariana
Em breve mais informações através do site da banda
Ouça na íntegra:
José Junior
Uma viatura da polícia militar e um camburão da Core, a tropa de elite da polícia civil do Rio de Janeiro, guardam a portaria do condomínio elegante, nos arredores da capital fluminense. Enquanto aguardamos o porteiro avisar da nossa chegada, três homens trajando a farda negra da polícia especial descem do camburão empunhando fuzis M-16. Ultrapassadas todas as barreiras, José Junior, o idealizador e coordenador do AfroReggae, abre a porta. Com um Red Bull na mão, trajando bermudão e chinelo, o cabra marcado para morrer nos conduz para a piscina. Por quase 4 horas, fala sem trégua, entremeando o discurso com goles do energético (foram cinco latinhas durante o papo). Carioca marrento, dono de uma personalidade controversa, visual extravagante e oratória afiada, José Junior entrou para uma macabra lista VIP: a dos jurados de morte. Ele está na mira de traficantes do Complexo do Alemão e do Complexo da Penha, fato comprovado por escutas telefônicas que registraram um papo entre Marcinho VP, chefe do Comando Vermelho (CV), e Fernandinho Beira-Mar, ambos presos na penitenciária de Catanduvas, no Paraná. Avisos claros já foram disparados: em julho, traficantes incendiaram a sede do AfroReggae no Alemão e, três dias depois, dispararam tiros de fuzil contra a sede da Penha. Os funcionários da ONG foram coagidos a deixar as favelas. Na conversa entre VP e Beira-Mar, o segundo diz: “Foi o Juninho... Ele que está por trás disso, né? Tinha que mandar um salve lá para ele”. “Salve”, na linguagem do tráfico, quer dizer represália. Os dois traficantes foram indiciados pelos ataques. Assim como os dois o chamam de Juninho, José Junior também demonstra intimidade com vários escalões. Quando fala do João, refere-se a João Roberto Marinho, presidente das organizações Globo. Sérgio é o governador do Rio, Sérgio Cabral. Paulo é o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Pablo Capilé, ativista cultural que esquentou ânimos por causa da Mídia Ninja e do movimento Fora do Eixo, é apenas Pablo. E Marcinho VP, chefe do CV, vira Márcio na boca do empreendedor de 45 anos. “Minha mulher perguntou até quando isso vai durar. Respondi: talvez para sempre” A afinidade com grupo tão diverso foi conquistada de grão em grão. Em 1993, fundou o AfroReggae. Vinte anos depois, a ONG nascida na favela de Vigário Geral, zona norte do Rio de Janeiro, é um case social que hoje movimenta R$ 20 milhões por ano, emprega diretamente cerca de 400 pessoas e sustenta 50 projetos só nas favelas cariocas. José Junior também virou apresentador de TV. Seu programa Conexões urbanas, do Multishow, vai para a sexta temporada em outubro. Além do trabalho na ONG, ficou célebre graças ao ofício de mediador de conflitos. Há alguns anos, figura na guerra carioca como o sujeito que fala com os dois lados: cúpula dos bandidos e cúpula da polícia. Assume, por exemplo, ter sido amigo de Marcinho VP. Quando o Complexo do Alemão foi invadido para a instauração de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), em novembro de 2010, subiu o morro para pedir aos traficantes que evitassem o confronto. A boa relação com o crime organizado, no entanto, azedou por causa de um pastor evangélico. No ano passado, José Junior denunciou Marcos Pereira, líder da Assembleia de Deus dos Últimos dias, com sede em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Acusações: estupro de mulheres e menores de idade, associação com o tráfico e envolvimento em ataques de facções criminosas no Rio, em 2006 e 2010, com ônibus queimados pela cidade e cabines policiais metralhadas. Segundo José Junior, a igreja de Marcos Pereira seria uma espécie de lavanderia do CV e o pastor, um “conselheiro do tráfico”. Até pipocarem as denúncias, ele e Marcos Pereira eram companheiros na tarefa de mediar conflitos e retirar jovens do crime. Agora, a amizade virou uma arma apontada para a sua cabeça. José Junior hoje vive dentro de uma bolha. O banco Santander, patrocinador do AfroReggae, disponibilizou dois carros blindados e paga homens do Bope para se revezarem 24 horas na segurança. Há sempre dois “caveiras” na cola de Junior, da mulher e dos cinco filhos (a mais velha com 13 anos; o mais novo, um bebê nascido no mês passado). Na manhã fria de sábado em que o encontramos, José Junior estava em casa só com o filho de 4 anos. No longo papo, ele relata a saga com o pastor Marcos Pereira, diz não acreditar que qualquer mal vá lhe acontecer e garante que já fez do limão uma limonada, com a campanha “A pacificação é nossa, o AfroReggae é nosso, deixem o Rio em paz”, lançada em jornais e na Internet no dia 23 de agosto e que ganhou adesão até do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Jura fidelidade ao Sérgio, o Cabral, apesar de a popularidade do governador estar em queda livre e seu cargo na berlinda desde que começaram as manifestações de junho. Ao final da conversa, saímos em comboio do condomínio escoltados pelo camburão da Core, com os três policiais exibindo para fora das janelas os fuzis M-16, para comer no quilo da esquina. “Se eu vou dar um passeio no shopping, eles estão atrás de mim. Vou correr, eles estão atrás de mim. Não posso mais fazer nada sem eles”, José Junior diz, sem sinal de que isso o incomoda. “Minha mulher me perguntou até quando isso vai durar. Eu respondi: talvez para sempre.” Quando você conheceu o pastor Marcos Pereira? Por muitos anos, eu ouvi as histórias de um pastor que fazia mediações de conflitos, parava rebeliões e tinha acesso a favelas. As pessoas falavam que eu tinha de conhecê-lo. Um dia, em 2006, fui encontrá-lo. Onde foi o encontro? Na igreja, em São João de Meriti. Eu de sandália, bermuda, camiseta, todo tatuado, brincos. Ele falou: “Já fui igual a você. Já fumei maconha, usei drogas, bebi”. Julgou pela aparência. Aí falei: “Pô, então tu nunca foi igual a mim: eu nunca bebi, nunca fumei maconha nem usei drogas”. Houve uma empatia. E comecei a ver coisas impressionantes. “Muita gente, como o Marcelo Freixo, me aconselhou a ficar atento [com o pastor]. Achei que era preconceito” O que, por exemplo? Essa coisa de realmente existir um poder de sugestão, que quando usado para o bem é muito bom. Eu achava que ele usava para o bem. Nunca fui da igreja, mas ia para conversar. Não sobre espiritualidade, mas sobre mediação de conflito, histórias do crime. Nesse meio-tempo, passei a perceber que o cara não era ele, mas o Rogério [Menezes, na época assistente do Pastor Marcos]. Rogério é que ia para o front, negociava. O que você viu que mais o impressionou? Acho que foi ver bandido desmaiando. O Marcos Pereira botava a mão e o cara caía de fuzil na mão. Impressiona muito, porque bandido geralmente não paga mico, né? Pessoas que saíram do crime pelas mãos do pastor, como Feijão (ex-chefe de Acari) e Norton (líder da rebelião no presídio de Benfica), foram para o AfroReggae. Você e ele tinham uma parceria? Sim. Mas, quando as pessoas saíam da igreja e iam para o AfroReggae, elas contavam a outra versão. E aí começou a vir a decepção. O que acontece é o seguinte: você chega lá na igreja e vê histórias muito fortes. Fica impressionado, impactado. Eu fiquei impactado e impactei muita gente. Levei uma lista de pessoas para conhecer o pastor, muitos jornalistas. Você nunca foi tocado espiritualmente por ele? Não sou evangélico, apesar de ter uma relação forte com Deus. Li a Bíblia da primeira à última página, Velho e Novo Testamento. Não sou um expert, mas via que eles falavam coisas erradas no culto. Confundiam personagens, por falta de conhecimento. Eu achava estranho, mas ficava na minha. O pastor mantinha uma disciplina medieval na igreja, tudo era proibido, de sexo a Coca-Cola. O que você achava disso? Muito equivocado. Para me provocar, como ele sabia que eu gostava de divindades, sejam hindus ou africanas, ele falava no culto: “Buda e Shiva eram demônios”. Você desconfiou que havia uma conotação sexual entre o pastor e as mulheres da igreja? Tinha uma relação esquisita com as mulheres. Mas era de ambas as partes, um flerte. Para mim, não tinha nada de mais. E da ligação econômica com o tráfico, desconfiou? Disso eu desconfiei, mas nunca tive prova. Ele dizia que não, traficantes negavam. Muita gente, inclusive o deputado Marcelo Freixo, me aconselhou a ficar atento. Eu achava que era preconceito por ele ser evangélico. O que o fazia suspeitar? Ele tinha umas Land Rovers, dizia que empresários convertidos haviam doado. Eu sabia que não era dinheiro arrecadado nos cultos. O público da igreja é pobre, ele não teria aquele patrimônio. Eu achava que era dinheiro de políticos, porque o pastor angariava milhões de votos. Mas o que me atraía era o fato de ele ter controle em rebeliões, favelas, penitenciárias. Como você começa a desconfiar de algo errado? Quando o Norton e o Feijão vêm para o AfroReggae e me contam coisas. Aí percebo também que algumas pessoas, ao sair da igreja, voltavam para o crime. Estranho pra cacete. Ninguém é obrigado a ficar para sempre na igreja. Mas ir pro crime de novo? Estranho. E muitos eram assassinados de repente. Aí, em 2009, um amigo me fala: “Pô, o Rogerinho saiu da igreja lá do pastor”. E eu falei: “Sério? Mas o Rogério é o braço direito do cara”. Meu amigo não sabia o motivo: “Pois é, saiu, mudou telefone, parece que mudou de casa”. Falei: “Porra, quero ligar pra ele. Rogério é um puta mediador de conflito”. Antes de continuar: o que é mediador de conflito? Nesse caso é guerra entre facções do narcotráfico, guerra com a polícia, guerra entre facções e milícia. Você entra pra tentar mediar o problema para que inocentes não morram. O Rogério fazia mais que isso. Pegava pessoas amarradas para morrer e arrancava das mãos dos traficantes. Pessoas que deviam ao crime ou mesmo policiais. “Quando minha mulher teve contrações, não pude correr pra maternidade. Tive que esperar a chegada da escolta. Foi muito estranho” Quando você localizou o Rogério? No início de 2009, ele foi na minha casa e falei: “Pô, o que que houve?”. Ele conta que a mulher tinha sido estuprada pelo pastor. Não acreditei. O papo foi na frente dela, eles começaram a chorar. Ele disse que o pastor pegava dinheiro do tráfico, que muitas rebeliões eram teatralizadas, o pastor mandava fazer para ir lá e “resolver o problema”. Que, nos vídeos dos resgates em favelas, ele mandava bater no cara para aparecer como salvador. Um show de horrores. Você acreditou no Rogério? O dinheiro passou a ter explicação. Mas na parada do estupro eu não acreditei. No dia seguinte falei com o pastor: “Vem cá, meu irmão, o Rogério me contou que você transou – não tive coragem de falar estuprou – com a mulher dele”. Ele virou outra pessoa. Disse: “Mermão, tu manda ele se foder. Comi a mulher dele mesmo. A vagabunda quis dar e eu comi”. O Rogério sabia que você ia falar com o pastor? Não. Quando contei para ele, o Rogério ficou apavorado: “Porra, ele vai mandar me matar”. Eu disse: “Que é isso, cara? Ele não vai matar ninguém”. E o Rogério repetia: “Vai, eu estou morto, Junior”. Aí contratei o Rogério e o pastor passou a ter ódio de mim. Fazia cultos em favelas em que eu atuava e espalhava que eu tinha o diabo no corpo. Até que um dia um traficante me contou que o Waguinho [ex-líder do grupo de pagode Os Morenos, hoje pastor evangélico] foi em favelas dizer que eu era X-9, que estava ligado à inteligência da polícia . Isso é sentença de morte no crime organizado. Claro. Eu liguei para o pastor puto da vida. Isso no final de 2009, começo de 2010. Falei exatamente assim: “Meu irmão, você está grampeado, eu também devo estar. Vai tomar no teu cu, seu filho da puta. Se acontecer alguma coisa com o Rogério ou com alguém perto de mim, tu vai aparecer na capa dos jornais preso. Só vou sossegar quando eu te ver de camisa verde e cabeça raspada”. O que ele respondeu? “Que é isso, meu filho? É tudo mentira. Vou fazer uma oração para você.” Eu falei: “Oração é o caralho, seu verme”. Aí ele passou a fazer cultos falando muito bem de mim, e isso que era o preocupante. Se ele fala bem de mim e acontece alguma coisa, iam dizer: “Porra, o pastor não! O pastor gosta dele!”. Aí conversei muito com pessoas ligadas a ele, inclusive mandei recado para o Márcio [Marcinho VP, chefe do Comando Vermelho]. Eu sabia que o Márcio era a força dele, mas que não fechava com estupro, pedofilia, essa coisas. Até então você não sofreu ameaça? Em 2012, um ex-traficante que hoje está no AfroReggae chegou e falou: “Junior, eu estive lá na boca. Porra, os caras falaram para eu sair do AfroReggae, que o pastor está botando todo mundo aqui na bola para morrer, inclusive você”. Foi quando comecei a receber vítimas de estupro e filmar as histórias, com o consentimento delas, claro. Mas não denunciou à polícia? Eu tinha falado com autoridades, mas o negócio não andava. Ele é ligado a políticos poderosos. Pensei: o jeito de blindar a gente é botar na mídia. Liguei para o jornal Extra e ofereci entrevista. Depois dessa entrevista, o boato era que se tratava de briga de amigos. Teve esse erro, a matéria deu a entender que era briga entre amigos, ou ex-amigos. Rendeu a semana inteira. Aí fui no Marcelo Freixo e ele me convocou para depor na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em março de 2012. Depois, fomos ao Decod (Delegacia de Combate às Drogas). Foi uma decepção. Era pra ele ter sido preso logo e só foi preso este ano. Por que demorou para ele ser preso? Todos esses anos ele foi minerado. Sabe o que é isso? Ele foi extorquido várias vezes, entendeu? Era muito dinheiro envolvido. E como ele conquistou tanto poder no crime organizado? Ele sempre foi “treteiro”, “volteiro”. Quando era garçom, deu o golpe no maître e virou maître. Aí entrou para a igreja, derrubou o pastor e assumiu o comando. O Marcos Pereira tem o dom da oratória. Não tem conteúdo, mas tem oratória, tem carisma. É um psicopata. Mas e a ligação com a cúpula do crime? Quem levou o pastor até o Márcio foi o Rogério. O Márcio é uma vítima dele. Ele não tem interesse que o Márcio saia da cadeia. Enquanto o Márcio estiver preso, ele exerce o poder. Ele era a voz do Marcinho VP aqui fora? Continua sendo, mesmo preso. Tem pessoas operando para ele. Como as coisas se desenrolaram até o pastor ser preso? Outras vítimas apareceram para falar. Pela primeira vez havia pessoas mostrando o rosto. Sempre rolaram investigações que não deram em nada. Viemos a descobrir que teve uma menina que quis denunciar e ele mandou matar, a Adelaide. Ela frequentava a igreja e fez um vídeo com as orgias, com as sacanagens, com o negócio do dinheiro. Ele mandou matar a garota. Você se sentia ameaçado? Recebi informações de que quatro pessoas no AfroReggae estavam marcadas: eu, Rogério, Tuchinha [ex-chefe do tráfico da Mangueira] e Gaúcho [ex-chefe do Complexo do Alemão]. Tuchinha e Gaúcho cumpriam a semiaberta. Saíam da cadeia durante o dia para trabalhar. O plano era matá-los na saída. Eles estavam trabalhando comigo e sabiam demais. Em 2006 e 2010, o Rio viveu ondas de terror, com ônibus queimados, cabines policiais metralhadas. Você declarou que o pastor estava por trás disso. Tudo tem a ver com ele, é a mente do crime. Em 2010, os ataques foram na véspera das eleições para atingir o Sérgio [Cabral, então candidato ao governo]. O Marcos tem interesses políticos. O candidato dele ao Senado, o Waguinho, um desconhecido, teve mais de 1 milhão de votos. Você soube disso na época? A informação de que haveria os ataques, sim. Tentamos fazer a mediação e isso me colocou numa situação de extremo risco. Foi enviada uma carta, apreendida na penitenciária de Catanduvas, com o seguinte texto: “O cara do AfroReggae, fortão com o governo, está entrando na mente dos nossos irmãos de Bangu 3. Peço autorização para suspendê-lo com muita inteligência”. Logo depois ocorreu a ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. Você não teve medo de subir o morro, já que uma carta pedia seu pescoço? Ninguém entendeu por que eu demorei para ir, as pessoas não sabiam da carta. Até que o Marcelo Freixo se colocou à disposição para subir e tentar evitar um banho de sangue. E você resolveu acompanhá-lo? O Brother, funcionário do AfroReggae no Alemão, me ligou e falou: “Estou vindo da boca. Os caras querem te ver. O Pezão”. O Pezão era o cara que mandou a carta. Era justamente o filho da puta. Aí eu falei: “Ah é, Brother? Leva o telefone lá”. O Pezão falou: “Pô, era legal você mediar essa situação aqui, porque todo mundo vai morrer”. Respondi: “Engraçado, agora você fala em mediar, mas mandou cartinha, né?”. E ele: “Não fui eu, não mandei nada”. Eles estavam com medo da invasão da polícia? Estavam. Falei para o Pezão: “Tu é um safado, uma pessoa sem escrúpulos, cretino, covarde, filho da puta”. Ele continuou insistindo que precisava de mediador. Aí, Rogério e Gaúcho me convenceram. Falaram: “Porra, Junior, vai morrer inocente, vai morrer culpado, vai morrer polícia. Só tu pode desarmar essa parada lá em cima”. A cena era impressionante: os bandidos fugindo em fila pela trilha que liga os Complexos da Penha e do Alemão. Meu filho, hoje com 2 anos, tinha acabado de nascer. Pensei: “Caralho, vou subir essa porra, posso morrer. O moleque não vai nem conhecer o pai direito”. As imagens de você subindo o morro com os tanques cercando o complexo de favelas correu os jornais. Antes de subir, fiz uma reunião com o presidente da associação de moradores. Falei com o irmão do Márcio, que não é envolvido e sempre me ajudou nas mediações. Éramos 30 pessoas subindo, eu na frente, camisa do AfroReggae. Quando chegou lá em cima, éramos só três. “Entrar no Complexo do Alemão, o grande bunker do CV, considerado impenetrável, era uma vitória emblemática, quase utópica” Mediar naquela circunstância era convencer os caras a se entregar? Não. Era convencê-los a não revidar. O Pezão era chefe do Alemão naquele momento. Você o encontrou lá em cima? Não, já tinha fugido. Estava o Fabiano, o FB, da Penha. Parecia um militar cansado de uma guerra. Ele estava chorando. Falei: “Cara, não tem que atacar. Vocês vão morrer. Vai morrer inocente. Vale a pena?”. Ele chamou todo mundo e disse que ninguém deveria atacar. Havia muitos traficantes lá no alto? Muitos. Todos combalidos, assustados, mas querendo ir para o confronto. A retomada do Alemão e da Penha foi um espetáculo midiático. Qual a importância real? Entrar no Complexo do Alemão, o grande bunker do CV, considerado impenetrável, era uma vitória emblemática, quase utópica. Só foi possível com auxílio da Marinha e do Exército. O que as UPPs trouxeram para o Rio de Janeiro? Autoestima. O morador da favela passou a ser menos discriminado. E tem uma reconquista pessoal, de a pessoa ter acessos a créditos que antes não tinha. O favelado começa a ser um cidadão. O poder público hoje entra nas favelas, através da coleta de lixo, dos serviços da Light... Voltando a Marcos Pereira, como foi o final da novela? Quando muda a gestão da Decod, ele vai preso. Com os mesmos casos, sem entrar nada novo. O que você sentiu quando o viu preso? Eu estava na Espanha, soube por telefone, de madrugada. Parecia que eu tinha tomado uma caixa de Red Bull. Vou te falar: eu chorei. Liguei para o Rogério emocionado. Mas eu sabia que a guerra ia tomar uma proporção maior. Sou místico, meu número é o sete, e ele foi preso no dia 7 de maio de 2013. E aí começam os ataques ao AfroReggae? Dia 26 de maio, nove dias depois. Na corrida que organizamos no Complexo do Alemão houve tiro pra caralho. Nego atirando pro alto durante o evento. Era o começo das represálias. E depois incendiaram uma das sedes da ONG. Eu estava com o meu pai no hospital. O telefone tocou e me falaram que os traficantes queriam que a gente deixasse a favela. Corri para a sede e meu telefone toca de novo: meu pai tinha morrido. Não pude chorar, estava numa reunião difícil. Quando acabou, chorei pra caralho. Você não cogitou fechar as sedes do Alemão e da Penha? Não. As pessoas pediram pra fechar, dizendo que iam morrer. Liguei pro Fábio Barbosa, presidente do Grupo Abril, e pedi pra ele fazer alguma coisa na [revista] Veja. Tínhamos que usar as nossas armas. Saiu na Veja. Depois dei uma coletiva, Jornal Nacional, todo mundo. Vocês fecharam por um tempo a sede do Alemão, não? Durante a visita do papa, o que já estava programado. Depois reabrimos. Houve tiros de novo. Atacaram a Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, fuzilaram lá. E, quanto mais eles batiam, mais eu revidava, falando na imprensa. Você chegou a ser procurado por representantes do tráfico? Sim, queriam negociar, queriam que eu tirasse a queixa contra o pastor. Falei: “Não, nem fodendo”. Quando percebeu que a guerra não era mais contra o pastor, e sim contra Marcinho VP e Beira-Mar? No ano passado. Mas o Beira-Mar não tem nada contra mim. O filho dele trabalhou no AfroReggae. Encontrei a esposa dele em trabalhos que faço em presídio e ela me tratou bem. Ele foi levado de bucha nessa história. Como é estar na posição de um ameaçado de morte? Não me sinto assim, mas sei que estou. Minha vida mudou? Mudou. Hoje tenho um esquema de segurança em torno de mim, bancado pelo banco Santander. O governo do estado também disponibiliza unidades da PM para manter guarda na porta das sedes do AfroReggae. E eu ando com escolta da Core. Para mim, hoje, ir ao cinema é complicado. Tudo é complicado. Sua vida ficou mais restrita? Bastante. Não posso fazer uma caminhada. Como vou caminhar com um monte de cara com fuzil atrás de mim? Quando minha mulher teve contrações, não pude correr para a maternidade. Tive que esperar a chegada da escolta. Muito estranho. Você nunca pode sair sem a escolta? Não. Ninguém nunca tinha dito não pro narcotráfico antes. Fui a primeira pessoa talvez na história a dizer que não ia seguir ordem deles. Ou eu fecho o AfroReggae ou vão me matar? Como acatar uma parada dessa? Quem me conhece sabe que a minha atitude só podia ser essa. É o meu jeito. Você teme pela família? Não falo disso. Como nasceu a campanha “A pacificação é nossa, o AfroReggae é nosso, deixem o Rio em Paz”? Resolvi juntar pessoas bacanas, de vários segmentos, para um movimento de valorização do AfroReggae, da pacificação. São 54 nomes. Luciano Huck, Cissa Guimarães, Fábio Barbosa, Ricardo Guimarães, André Skaf, Márcia Florêncio, Junior Perim, Cacá Diegues, Hélio de la Peña... Uma coisa com a cara do AfroReggae, uma galera. Quais os resultados da campanha até agora? O Fluminense entrou em campo com a faixa da campanha. O Corinthians meteu a hashtag #forçaafroreggae na camisa. Aí o Vasco foi além, entrou com a faixa e com a hashtag. O Rappa gravou um vídeo, postou. Aí veio o Concerto pela Paz, para comemorar os 20 anos do AfroReggae e pela pacificação, Teatro Municipal lotado. Agora já tem planejado um grande evento de meditação. A gente tá criando um conceito de que todo mundo foi atingido por aqueles tiros. Conseguimos 121 milhões de acessos, uma adesão do caralho. Todo morador do Rio reconhece os benefícios da política de pacificação. Mas há críticas: ditadura policial nas comunidades, repressão contra os jovens, nenhum investimento social... O que acha dessas críticas? Concordo. Mas essa mesma juventude que está reivindicando nunca criticou o tráfico, que fez uma ditadura 10 mil vezes pior do que a dos policiais. Hoje, só de poderem se manifestar, seja contra a polícia ou contra o governo, já é um caminho melhor. Mas não dá para o capitão ou o major de uma unidade pacificada ser o gestor daquela comunidade e substituir o líder comunitário. Não dá. Qual o caminho? O certo seria fazer uma composição, um tripé. O homem que cuida da segurança pública, que é o capitão ou o major, o líder comunitário e alguém da Secretaria de Governo fazerem uma gestão conjunta. Dizer que está tudo bem é mentira. Tem muitos problemas. Mas tem como melhorar. É um programa que tem que ser adaptado, é muito novo. Agora, uma coisa é certa: só polícia não resolve. Tinha que ser uma gestão tripla. É só uma questão de ajustes no programa, então? A UPP, a pacificação, é a melhor coisa que aconteceu no Rio de Janeiro nos últimos tempos. Ter um programa de governo na área de segurança é do caralho. Bater na UPP hoje, enfraquecer a UPP, é retrocesso. Mudou também o perfil do tráfico no Rio? Uma vez você disse que só encontrava bandido doido para largar o crime. Continua todo mundo doido pra sair. O fato ocorrido com o AfroReggae foi sinal de fraqueza. Se o tráfico estivesse forte, eu já teria morrido. Nesse momento, temos que dar apoio à política de pacificação. Quem quer o bem do Rio de Janeiro tem que querer que certas políticas avancem e a pacificação é uma delas. Desde que começou a pacificar, são menos 100 mil balas que a polícia gasta. Isso pode significar menos 100 mil pessoas mortas. No momento há muitas manifestações no Rio contra o governador Sérgio Cabral, denúncias de corrupção no governo, de mal uso do dinheiro público... Você o apoia? O Sérgio foi foda. Ele me disse: “Irmão, se você quiser sair do Brasil, eu não gostaria, mas eu vou respeitar a sua decisão. Mas, se você ficar, nós vamos te dar toda proteção”. Gosto muito dele, acho que fez bem pro estado onde eu moro. Denúncias? Realmente tem várias denúncias que não se comprovaram ainda. Se for comprovado, ele tem que perder o mandato. Se ele for bandido, como qualquer bandido, tem que ir preso. Até que provem o contrário, vocês são parceiros. Estou sabendo que um deputado ligado ao pastor Marcos vai me denunciar por lavagem de dinheiro do narcotráfico. E aí? Denúncia não é prova. Repito: eu gosto muito do Sérgio. É uma pessoa que eu passei a admirar. Mas você sabe que declarar amor ao Sérgio Cabral hoje é polêmico. Eu graças a Deus tenho essa independência. Sábado tive o prazer de twittar três coisas. 1: Tenho muito orgulho da minha parceria com as organizações Globo. 2: Estou muito feliz com as novas parcerias com a editora Abril. E 3: Eu acredito no Pablo Capilé. Você conhece bem o Capilé? Adoro, sou fã. Postei uma foto minha com ele. Fiz isso porque eu acho que o garoto merece. Se eu hoje tivesse 20 anos, eu ficaria um tempo na Casa do Fora do Eixo. O Pablo é foda. Eu falo o que eu penso. Eu não jogo para a plateia, entendeu? José Junior esteve nas Páginas Negras da Trip #142. Vai lá http://goo.gl/EedeKL
Adentramos por ruazinhas estreitas, ladeadas de jardins sem grades. Na garagem está um policial do Bope, que, nas horas vagas, faz a segurança da família.
O discurso do rei
REX Features/Philippe Hays
O falecido Roy Bates sorri com o seu país-plataforma ao fundo
Levando em conta a tradição monárquica britânica, o major reformado Roy Bates, morto no ano passado, teria mínimas chances de figurar entre as altas rodas da corte e seguiria como mais um veterano da Segunda Guerra fissurado por rádios piratas. As normas, porém, não o impediram de ver o rosto da família dele cunhado em selos postais da realeza. Como? Em 1967, ele fundou o próprio país em uma plataforma naval abandonada em águas internacionais do Atlântico, a 10 quilômetros da costa britânica. O sonho da vida dele chama-se Principado de Sealand e tem 550 metros quadrados, além de bandeira, passaporte, moeda própria e time de futebol. Conversamos com o príncipe Michael Bates, filho de Roy.
Quem vive em Sealand? Temos dois moradores que ficam lá o tempo todo e às vezes alguns visitantes.
Quanto tempo você passa lá? Eu viajo muito, então não fico muito tempo no país. Acabei de voltar de um congresso em Las Vegas, nos EUA.
Você trabalha? Como o reino se sustenta? Trabalho na área de segurança de informação. Somos financiados pelas pessoas que contribuem conosco comprando títulos de nobreza – condes, barões, lordes e ladies [quem quiser ser conde de Sealand, por exemplo, precisa desembolsar 30 libras].
Em 2007, o site de downloads de música e filmes Pirate Bay tentou comprar o território ara instalar lá seus servidores. Como anda a negociação? Eles começaram a juntar dinheiro, mas não estamos mais negociando. Nosso país não está à venda. Sealand não é reconhecido como país pela ONU. Qual será o futuro dele? Quem sabe o dia de amanhã?
Vai lá: www.sealandgov.org
Maurício Cotrim
Antônio Brasiliano
Mauricio na clínica onde atende em Itu
Maurício Cotrim é psicólogo especializado na recuperação de dependentes químicos, mas por um bom tempo esteve na outra ponta desta equação. Paulistano, sua experiência com as drogas começou cedo, ainda no colo do pai, bebericando cachaça. Aos 7 anos fumou seu primeiro cigarro, aos 10 usou inalantes, aos 13 conheceu a maconha e a cocaína e, aos 15, veio o crack e, com ele, a proximidade do fundo do poço.
Sua relação com as drogas começou a mudar em 1994, através de uma edição especial da revista Trip sobre cocaína, onde escutou falar pela primeira vez sobre a dependência química. Alerta sobre sua condição e com o apoio da mãe procurou ajuda, fez tratamento, superou as recaídas e, reabilitado, decidiu utilizar sua experiência para ajudar aqueles que sofrem da mesma doença que por anos o atormentou. Começou fazendo trabalho voluntário no Narcóticos Anônimos, fez cursos, estagiou em clínicas e, em 2010, se formou em psicologia. Atualmente utiliza seus conhecimentos para reabilitar dependentes químicos em duas clínicas especializadas e em seu consultório particular.
Sites citados por Maurício no programa:
www.institutonovomundo.com.br (Instituto Novo Mundo - Itu)
www.soberhousebrasil.com.br (Sober House Brasil - São Paulo)
Playlist da semana:
Belleruche - Anything you Want
Tim Maia - Sossego
Rodriguez - Inner City Blues
Marisa Monte - Tempos Modernos
George Harisson - Give me Love
O Disco de Arnaldo Antunes
Camila Eiroa
Arnaldo Antunes em coletiva na Casa de Francisca
Em uma tarde gelada em São Paulo, Arnaldo Antunes falou sobre seu Disco em uma coletiva de imprensa na Casa de Francisca. O novo CD veio depois de quatro anos do Iê Iê Iê, último de inéditas, e também do Ao Vivo Lá em Casa e do Acústico MTV, nos quais o cantor e compositor trabalhou músicas de toda a sua carreira. Gravado entre março e agosto, são 14 faixas, sendo que quatro delas foram divulgadas na internet antes mesmo do CD ser lançado.
Divulgação
Capa do Disco
A escolha por disponibilizar o áudio de Muito Muito Pouco, Dizem, Tarja Preta e Vá trabalhar veio para causar reflexão sobre o significado de um disco na era de música virtual. "A forma que eu estou lançando esse disco hoje é diferente. É uma adequação a um novo padrão que está pintando que é o das pessoas poderem consumir e ouvir música na internet de uma maneira avulsa.", diz. Para Arnaldo, isso pode ser bom e ruim ao mesmo tempo. Ele valoriza o processo ritualístico de ouvir um álbum por completo e poder observar o diálogo faixa-a-faixa, mas aceita que o formato shuffle vai conviver com todo mundo no decorrer do tempo.
Em seu 13º CD, Arnaldo também conta com uma vasta lista de parcerias que transita entre músicos conhecidos e novos artistas. São composições com João Donato, Caetano Veloso, Céu, Hyldon, Felipe Cordeiro, Luê, sua mulher Márcia Xavier e também com Marisa Monte, Dadi Carvalho e Nando Reis, parceiros que não vêm de hoje. Os músicos que o acompanham desde trabalhos anteriores como Curumin, Edgard Scandurra, Chico Salem, Betão Aguiar e Marcelo Jeneci, se dividem em cada faixa com Daniel Jobim, Pupillo, Guizado, Fernando Catatau, Davi Moraes, Pedro Sá, Estevan Sinkovitz, Anelis Assumpção, Márcia Castro e muitos outros nomes que fizeram desse trabalho muito plural.
"É um disco bem diversificado. Acho que é um contraponto ao Iê Iê Iê, que é mais coeso como sonoridade, todo gravado com a mesma banda em cima de um gênero musical", compara o cantor, que também fez uma versão de "Mamma", canção de Gilberto Gil, o que considera como uma ousadia.
Apesar da ideia de entrar em estúdio só no ano que vem e continuar com a turnê do Acústico, todas as composições e ideias que surgiram durante as férias do começo do ano fizeram com que Arnaldo resolvesse gravar mesmo durante os shows. Disco tem previsão para ser lançado no começo de outubro, com patrocínio do programa Natura Musical.
O disco começa a ser divulgado em turnê dia 13 de outubro na Concha Acústica de Salvador. Em São Paulo, Arnaldo faz show do Sesc Belenzinho em novembro. Ouça e veja a agenda no site: www.arnaldoantunes.com.br
"Não acho que dê pra generalizar a internet em boa ou má, porque isso de certa forma menosprezaria a capacidade pessoal de cada um em se relacionar com ela"
Suas parcerias vão desde Caetano Veloso até a Céu. Elas passam por várias gerações da música. Você acha importante ter esse contato com novos artistas? Sem dúvida. Acho que existe essa ideia de que uma geração vai substituir a outra, e o fato de eu conviver e compor com pessoas de gerações anteriores a minha e também mais novos desfaz um pouco essa imagem. O Grêmio Recreativo, da MTV, é um programa no qual eu tentava fazer justamente esse diálogo. Quem produz um trabalho novo continua sendo novidade, por mais que tenha uma carreira antiga. Eu acho que tem aí uma geração de músicos mais novos e de compositores interessantíssima.
Abrir o trabalho antes de lançá-lo para as pessoas escutarem gerou tanto reações positivas quanto negativas. Você levou em consideração algum comentário para a escolha das faixas do Disco? Não era algo que estivesse orientando a feitura do disco, porque já era algo que estava selecionado. Eu gostei dessa troca de ir mostrando aos poucos, ver a expectativas e comentários que isso gera - sejam críticas ou elogios. Gostei também de ter um retorno do público enquanto gravava o disco, mas isso de mudar os rumos não aconteceu.
Ainda sobre a internet, em "Sou Volúvel" você se pergunta “De onde a ideia vai sair?”. Você acha que a facilidade em divulgar e conhecer novos trabalhos na internet pode limitar a criação sonora? Limitar? Não. Acho que a internet é um meio, você usa como quiser. Tenho um pouco de medo da velocidade, das pessoas ficarem muito na superfície das informações e não se aprofundarem. Não pararem para ler algo mais extenso, para ouvir o disco, refletir e contemplar. Ao mesmo tempo, acho que tem seu lado positivo. Primeiro que é um sonho que eu tinha na minha infância, de entrar em uma livraria e ver todos aqueles livros que eu queria comprar e não podia. Ou uma loja de discos. Hoje em dia você tem acesso a todo tipo de informação, isso é uma liberdade incrível. É um instrumento que cada pessoa vai se relacionar de uma forma pessoal, acho que depende muito de cada um. Não acho que dê pra generalizar a internet em boa ou má, porque isso de certa forma menosprezaria a capacidade pessoal de cada um em se relacionar com ela.
Arnaldo Antunes e Titãs "Eu sai dos Titãs pra poder mudar outras faces da minha produção que não cabia naquele conceito de oito pessoas. Nunca teve uma discordância do que os Titãs estavam fazendo, se eu quisesse continuar fazendo aquilo eu continuaria numa boa. A gente inclusive continua parceiro. Mas tinha esse desejo, de não só mostrar composições que não cabiam ali no Titãs por uma questão consensual, mas também mostrar outras formas de interpretar. Eu me lembro que eu cantava todas as músicas em tons mais altos que a minha região natural de voz pra poder brigar com o peso da banda, com exceção de "O Pulso". É um tipo de interpretação que eu ainda tenho em algumas canções, mas essa possibilidade de explorar tons mais graves pintou porque eu optei pela carreira solo. E também outras formações instrumentais, poder exercer essa liberdade." |
Reprise: Carioca
Felipe Chiri/Trip FM
Carioca
O papo de hoje é com Márvio Lúcio dos Santos Lourenço, o Carioca do Pânico, um dos mais importantes humoristas do Brasil e um verdadeiro mestre das técnicas de imitação. Natural de Niterói e criado em São Gonçalo, cidade que compõe a região metropolitana do Rio de Janeiro, ele estudou Jornalismo e, em 1996, conseguiu um estágio na rádio Jovem Pan.
Contou muita camiseta, colou muito adesivo em carro, gravou muita vinheta e, alguns meses depois, conseguiu a tão sonhada vaga no programa Pânico. Sua aptidão para a comédia, que vem da família, e seu talento nato para as imitações o transformaram na principal atração do programa, seja na pele de Amaury Dumbo, de Jô Suado, de Zeca Tamagro, ou em sua versão original, o Carioca.
Setlist do programa:
Santana - "Evil Ways"
Lulu Santos - "Adinvinha o Que"
Rodriguez - "Inner City Blues"
The Heavy - "Longway From Home"
Cake - "Commitioning a Symphony in C"
Guga Chacra
Reprodução
Guga Chacra
O Trip FM recebe esta semana o jornalista e especialista em política internacional Guga Chacra. Guga é correspondente internacional do jornal O Estado de S. Paulo em Nova Iorque e comentarista do canal a cabo Globo News. Ele fala sobre a situação política dos EUA, sobre a visão que ele tem do Brasil, vai falar da nossa situação econômica, da situação das nossas cidades, vai comentar alguns dos mais palpitantes assuntos da política internacional atual, e, claro, vai falar da vida de correspondente internacional.
Paulistano, ele se formou em jornalismo pela Cásper Líbero e fez mestrado em Relações Internacionais na Columbia University. Em 2000 começou sua carreira de correspondente internacional atuando pelo jornal Folha de S. Paulo em Buenos Aires, na Argentina. Entre 2008 e 2009 foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e realizou reportagens em locais como Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes e Chipre. Atualmente ele é o correspondente do Estadão em Nova Iorque e na ONU e também atua como comentarista do canal a cabo Globo News.
Playlist da semana:
The Cure - The Lovecats
Arnaldo Antunes - Não vou me Adaptar
Luciole - J'Attends
Dave Matthews Band - What Would You Say
Alton Ellis - Rocksteady
Ernesto Paglia
@alepotas
Ernesto Paglia
Ernesto Paglia é um dos principais repórteres da televisão brasileira e está prestes a completar 35 anos de serviços prestados ao jornalismo. Paulistano, meio italiano meio argentino, ele se formou jornalista pela ECA, a Escola de Comunicação e Artes da USP e, depois de uma breve passagem pela rádio Jovem Pan, em 1979 foi contratado pela Rede Globo. Na emissora produziu centenas de matérias para os mais diversos programas, entre eles e com mais destaque para o Fantástico, o Jornal Nacional e o Globo Repórter. Entre as características mais marcantes do nosso convidado está a diversidade do campo de atuação. Pela área de esportes, por exemplo, cobriu sete Copas do Mundo e três Olimpíadas. Na editoria política, foi correspondente da Globo em Londres por cinco anos, cobriu o conflito Irã-Iraque, a invasão americana ao Afeganistão e entrevistou personalidades como Margaret Thatcher, Michael Gorbachev e Fidel Castro. Ele ainda foi um dos responsáveis pela reformulação, em 1983, do Globo Repórter, e, mais recentemente, apresentou a excelente série de documentários Globo Mar.
Playlist da semana:
Death Cab For Cutie - No Sunlight
Dusty Springfield - Son of a Preacher Man
Mutantes - Shes My Shoo Shoo
Finley Quaey - Dice
The B52´s - Private Idaho
Reynaldo Gianecchini
Christian Gaul
Reynaldo Gianecchini
Numa tarde fria de sábado, num dos dias de garoa que marcaram a chegada da primavera a São Paulo, Reynaldo Gianecchini analisa as fotos que o fotógrafo acabou de fazer dele para esta entrevista. Ele veste T-shirt, jeans e tênis – conjunto que diz ser uma espécie de uniforme, pautado pelo desejo de conforto: “Só mudam as cores, às vezes pego uma camiseta com uma imagem mais chamativa, um acessório mais colorido”.
Eu não o via pessoalmente há muitos anos. A última vez fora muito antes de sua descida ao inferno, levado por um câncer fortíssimo, um linfoma que ele enfrentou diante dos olhos do mundo. Despertou tanta compaixão no país que, mal saiu da recuperação, levantou-se direto para a posição da imagem publicitária mais poderosa do Brasil, numa apertada disputa com Luciano Huck.
Logo ao chegar, chama a atenção o cabelo grisalho. Ele conta que os fios brancos vieram com mais força após a quimioterapia. Mas ele já os tinha, apesar de escondê-los, desde os 25 anos. “Puxei do meu pai, que tinha uma grande mecha branca, linda”, conta. Parou de tingir no início deste ano, a pedido da atriz Giovana Antonelli, que preferia vê-lo assim no papel de seu par romântico no longa-metragem SOS – Mulheres ao mar, ainda sem previsão de lançamento.
As filmagens do longa acabaram em julho, e Reynaldo achou que a “grisalhice” também deveria fazer parte da construção do personagem Paulo, protagonista de A toca do coelho, peça em cartaz em São Paulo até o final deste ano, na qual ele contracena com Maria Fernanda Cândido. O texto do norte-americano David Lindsay-Abaire, vencedor de um Pulitzer, conta a história de um casal que tenta superar uma perda terrível, cada um de um lado, cada um a seu modo. “Paulo é um homem que traz as marcas do tempo”, conta o ator, que diz se divertir com o envelhecimento, ao contrário do resto do mundo.
"Essa parte [do câncer] de ficar sem cabelo foi muito fácil"
A nova cor de cabelo harmoniza com um momento interior mais maduro, que se manifesta, por exemplo, no sexo. “Com a idade, ele fica muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora”, diz. No amor, porém, desde que separou de Marília Gabriela, vive uma longa fase de relações fortuitas. É o que sua agenda frenética permite, já que trabalha de domingo a domingo há mais de um ano. Previsão de férias? Setembro do ano que vem, com sorte.
Apesar de muito trabalho, diz que está zen. Depois de épocas mais “jacas”, busca trilhar o caminho do meio. Nos próximos dias começa a gravação de uma nova novela global. Somando aos comerciais que faz, Gianecchini estará mais nas televisões brasileiras do que o plim-plim da Rede Globo. Pergunto se ele pensa em parar: “O limite é o momento em que eu me cansar. Já aconteceu, quando parei por um ano e fui estudar em Los Angeles. Se acontecer de novo, paro e tiro um sabático”.
Enquanto esse dia não chega, ele segue a rotina, buscando controlar bem sua imagem. É por isso que faz questão de visualizar no computador as fotos feitas por Christian Gaul. No lusco-fusco do estúdio, ele parece um narciso admirando a própria beleza. Mas, diferentemente do herói da mitologia greco-romana, ele se dá por satisfeito. “Do caralho, gente. Adorei.”
Me surpreendi com o seu cabelo grisalho quando cheguei. É uma coisa genética. Meu pai também tinha, desde novo. Comecei a fazer publicidade, depois novela e sempre fazia muito garotão, né? Nunca fiz papel de pai. Estreei na televisão com 28 anos, mas parecia que eu tinha 20. Demorei muito tempo para assumir esse cabelo branco. Deixei agora pra um personagem. Na capa do meu livro, ele já estava meio branco. Eu tinha acabado de sair do meu tratamento e a gente queria uma imagem crua minha, que não fosse de vaidade. O livro é isto, um close meu, com a cara que eu acordei e com aquele cabelo sem pintar. Todo mundo adorou. E eu tô adorando agora também. Fora que eu estou impressionado com a manifestação das mulheres, não tinha noção que elas gostavam tanto. Dou três passos na rua e sempre vem uma falar: “Deixa assim, pelo amor de Deus! Está a coisa mais linda”. Acho que passa uma coisa de segurança pra mulher, né?
Como foi se ver sem pelos e sem cabelo durante o tratamento contra o câncer? Resolvi encarar muito de frente a doença, com tudo o que ela tinha. Quis olhar e falar: “OK, sei exatamente o que eu tenho, vou lidar com isso e não vou tentar maquiar”. Encarei o desafio de deixar as preocupações do dia a dia de lado e focar numa outra coisa. Ou seja, a vaidade não era importante. De repente, eu não tinha que fazer mais nada. Só cuidar de mim. E foi muito legal. Na verdade, essa parte de ficar sem cabelo foi muito fácil. Foi legal até. Lembro que me olhei no espelho e falei: “Caramba! Ficou condizente com a minha condição, pareço um guerreiro mesmo”.
Você raspou antes de eles caírem então? Não queria esperar tudo cair. Acho meio deprimente. Eu tenho uma coisa que, com esse processo, ficou muito evidente para mim: encaro a vida como ela é. Descobri há um tempo que se a gente faz planos às vezes se frustra. Então foi isso: “Vamos viver o que tem para viver, minha realidade é essa”. Foi muito natural, eu comecei a gostar até. Também acho bacana essa coisa de brincar com as mil caras que a gente tem. Por isso que eu acho a idade muito legal. Tudo vai mudando. E não é questão de rugas, não. É questão de maturidade.
Os papéis de garotão estão passando? É natural, né? Óbvio que eu não posso mais fazer um adolescente. No teatro até dá. Ele é mais metafórico. Mas tem uns papéis muito bonitos nessa idade dos 40 aos 50 anos. É uma idade muito bonita para o homem. Ele ainda mostra um vigor, ainda é jovem, mas já tem uma maturidade. Tem um conforto de estar na própria pele.
Você se sente numa fase de maior vigor, maior desejo sexual, aos 40? Não sei te dizer se maior. Mas com mais qualidade com certeza. O sexo com a idade é muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora. Sexo é muito isso, você estar presente ali. Tirar da cabeça todos os pensamentos, as ansiedades. Viver aquilo respeitando o que o seu corpo quer. Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40.
"Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40"
A qualidade (do sexo com as mais velhas) é melhor? Muito melhor! Principalmente quando a mulher se conhece, o que é difícil pra elas, acho. Pro homem é mais fácil. A própria estrutura da gente, a mecânica toda. A gente se excita mais fácil, goza mais fácil.
Você é hoje uma das figuras mais presentes na televisão. Acha que há um limite para tanta exposição? Eu quero sempre passar uma coisa legal para as pessoas. Não gosto de estar associado com coisas que não me interessam. Fazer publicidade é uma fonte muito legal de grana, mas eu poderia estar fazendo muito mais do que estou. Não quero ganhar todo o dinheiro do mundo. Eu gosto e faço questão de estar associado a empresas que eu considero importantes, que têm uma proposta legal. E eu também tenho preocupação com essa superexposição que a gente tem. Não gosto, por exemplo, de ficar emendando um trabalho no outro na televisão. Sempre procuro intercalar televisão com teatro, com cinema, pra dar um tempo. Acho que vai chegar uma hora que eu vou querer dar um tempão enorme, tirar um ano sabático.
Isso seria quando? Você visualiza esse momento já? Visualizo. Não está tão longe. Quando voltei do meu tratamento, estava com muita vontade de trabalhar, comecei a receber muitas propostas que me interessaram e fui aceitando. Estou trabalhando direto, de domingo a domingo, há um ano. Férias, só em setembro do ano que vem. Tem sido muito legal, mas eu tenho muito evidente isto: vou precisar parar uma hora, fazer nada.
Você diz que escolhe bem as campanhas que faz. Mas e a que você fez para o Pintos Shopping, que acabou virando piada nacional na época? Por incrível que pareça, nunca imaginei que aquilo pudesse dar uma piada. Era uma publicidade para um empreendimento de um império familiar do Piauí, uma rede de shoppings. Fui pesquisar, vi que era uma coisa muito séria, um empreendimento familiar com anos de credibilidade. E eu nunca associei pintos com pênis. Até mesmo porque em Birigui cresci indo na Casa Pintão. Casa Pintão era uma casa em que eu comprava material de escola, essas coisas. Nunca associei com uma piroca enorme. Mas, quando começou a piada, fui o primeiro a rir. Porque realmente o slogan dava uma coisa de duplo sentido que jamais eles pensaram. Mas eu acho que tem uma hora que passou um pouco do ponto, foi pra um outro nível de achincalhação. As pessoas começam a querer exercitar toda sua raiva, sua inveja.
Como você se defendeu? A melhor forma de reagir é fazer como sempre faço: não dar margem para a coisa se propagar. Ou seja, não gosto de ficar falando, me justificando. Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho. Seria horrível eu ter que ficar rebatendo tudo que falam a meu respeito. A melhor forma de me defender é não falar nada. Porque quando é uma mentira, uma coisa inconsistente, sai assim [estala os dedos].
Evidentemente entra muito dinheiro das publicidades que você faz. Você cuida de tudo sozinho? Alguém faz isso pra mim, mas eu cuido. Gosto de ter o controle de tudo que faço, não gosto de ficar alienado. Tenho agora uma instituição, que estou fazendo no interior, que talvez seja o projeto mais bonito da minha vida. A única coisa que me faz hoje em dia sonhar a longo prazo é essa instituição, que é para cuidar de crianças, adolescentes e idosos no interior. Então essa questão do dinheiro, da publicidade, de estar associado a empresas, tem muito o foco nisso, sabe? Quero me doar.
Como se chama a instituição? É o nome do meu pai: Centro de Apoio Professor Reynaldo Gianecchini, em Birigui, interior de São Paulo. Está super na fase inicial, mas já foi aprovada por lei, já estou captando pra poder construir.
Tem a ver com o câncer? Não. Tem a ver com educação, com cultura, com apoio psicológico. Suprir as carências das pessoas no interior de informação, de cuidados, de carinho. Tem a ver com isso.
Christian Gaul
Reynaldo Gianecchini
É verdade que você já deu um fora na Carla Bruni? Não é que eu não quis. Na verdade, não desenvolvi. Se fosse hoje, que eu sou muito mais esperto, teria jogado com aquilo [risos]. Mas é que naquela época eu morava no exterior e era uma fase da minha vida que eu estava muito zen. Só meditava, não saía de casa, não ia a festas. Achava todo aquele ambiente que eu trabalhava chato demais. Trabalhava e voltava pra casa. Queria ler meu livro. Era uma fase muito radical da minha vida, e eu tive várias fases radicais. Essa foi para um polo. Depois teve outra pro outro polo, da bagunça total. Tudo isso para descobrir o equilíbrio. Se ela tivesse aparecido um pouco depois, talvez eu tivesse desenvolvido. Ela realmente é uma das mulheres mais lindas que já vi.
Então se a Carla Bruni de repente aparecesse aqui você reagiria diferente? Ah, com certeza. E essa é a beleza da vida! Ela te dá oportunidades de rever as coisas. Dá umas voltas muito loucas.
Quando termina o trabalho você sai pra se divertir, se expõe ao mundo real das ruas? Eu gosto muito de gente, mas deixo claro que o meu espaço existe e precisa ser preservado. A minha intimidade eu abro pra quem eu quero. Jamais poderia ficar num castelo, ser Michael Jackson, sabe? Não ia ser feliz. Moro no Rio e em São Paulo, que são duas cidades que me permitem ir ao supermercado. Eu gosto do assédio, tenho o maior prazer em falar com as pessoas, principalmente depois do meu tratamento. Mas eu não gosto quando vira invasivo, da pessoa querer te tocar, te puxar, querer um espaço que você não pode dar.
E isso não acontece no Rio e em São Paulo? Acontece às vezes, mas fora do eixo Rio-São Paulo acontece mais. Sempre procuro me posicionar de uma forma muito educada. Teve um episódio agora que a imprensa deturpou muito. Estava no Rock in Rio e tirei muitas, muitas fotos mesmo. Embora aquele fosse um tempo pra eu me divertir, eu fico meio constrangido de falar não. Mas teve um momento que ficou insuportável. Mesmo se eu ficasse a madrugada inteira tirando fotos, não ia atender todo mundo. Teve uma hora que eu tive que falar: “Moça, desculpa, não vai dar pra fazer a foto com você porque é muita gente”. Saiu na imprensa que eu não quis fazer foto. Não falaram das outras 500 que eu fiz.
Você malha todos os dias? Umas quatro vezes por semana.
Qual é o seu exercício? Pela praticidade, acabou virando entrar numa academia, porque é o único lugar que você não precisa se programar muito. Mas eu sempre fui do esporte, gostava de jogar basquete, vôlei. O único esporte que eu faço hoje é natação, tirando a malhação.
Pessoalmente você é bem forte, malhado. É, mas eu não sou radical, não. Não sou super-rato de academia, que precisa estar sempre trincado, com o abdômen definidíssimo. É muito mais uma questão de tônus, sinto necessidade de sentir que meu corpo está pronto para o trabalho, sabe? É muito mais do que uma questão estética, embora eu odeie quando estou me sentindo gordinho, quando meu abdômen, que é nosso centro de força, está frouxo. Odeio!
O ciclista Lance Armstrong conta que chegou um momento no tratamento do câncer em que ele falou: “Se tiver mais uma quimio, eu não faço”, porque ele tinha muita indisposição. Como foi com você? Olha, meu tratamento foi muito intenso, muito agressivo, porque minha doença foi muito agressiva e muito intensa. Tem alguns cânceres que não são tão agressivos, por isso demoram anos para serem tratados. O meu era tudo ou nada. Chegou com tudo e tinha que ir embora com tudo. Tomei um veneno brabo, foi barra- pesada! Mas eu me dei... Acho que é uma questão de cabeça. Dentro de mim eu falava: “Quero ver se vai me derrubar essa porra dessa quimio, essa porra dessa doença!”. Tinha dia que era foda. Mas no outro dia eu estava melhor. Fiz uma dieta ayurvédica, super recomendo, que fala que o alimento é o remédio, e que me ajudou muito.
Você mantém essa dieta? Algumas coisas sim, mas eu estava bem radical naquela época. Alimentação é uma coisa de que eu cuido muito.
Você tem alguma religião? Não. Fui criado no catolicismo. Mas a minha religião é o meu contato com o superior, com a força do Universo. Eu acho a religião às vezes muito perigosa. São tantos tabus... Cheguei a uma conclusão: é só o amor que faz você se entender e se conectar. Então eu sinto que é muito mais forte um gesto de amor, ter o amor no coração, do que palavras, orações. Muita gente fica presa na ideia de “não faça isso, faça aquilo” da religião e esquece de dar carinho pras pessoas. Tem gente que chega pra mim e fala: “Você não conhece Jesus!”. Principalmente os evangélicos. Eu falo: “Por que você acha que tem mais acesso que eu? Por que você é bitolado?”.
"Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho"
Recentemente, manifestações varreram o país. Você acompanha essa discussão política? Quando elas começaram, eu estava filmando na Europa. A minha geração não viu isso. E foi muito louco de ver. Dá uma certa apreensão porque você não sabe direito aonde vai dar tudo aquilo, né? A gente foi acompanhando tudo, com vontade de chegar no Brasil e ver o que a gente podia fazer. A gente conseguiu mostrar que tem uma galera muito atenta hoje em dia. Não dá pra ficar fazendo qualquer merda, não dá mais pra ficar esse circo todo. A galera está indignada, e eu acho isso muito positivo. Vamos ver no que vai dar, porque essas manifestações começaram a ficar meio desagradáveis quando se misturaram à violência. Virou bagunça.
Você se formou em direito. Já era ator quando fez o curso? Na verdade, essa coisa de ator eu tenho desde criança. Era uma criança que vivia no palco, fazia da minha vida um palco. Essas manifestações são muito fortes, você tem que prestar atenção. E eu não prestei. Sou de Birigui, né? Lá você não acha que um dia pode trabalhar na televisão, no cinema. É muito distante essa realidade. Mas lá na frente eu vi que era minha vocação mesmo. A faculdade me fez entender que eu era uma pessoa que não queria lidar o tempo todo com a razão.
Você nunca achou que seria advogado? No segundo ano da faculdade eu já sabia que não, mas sou muito caxias e quis completar o curso.
Você já brigou de porrada? Já! É uma historia clássica da minha cidade. Eu era muito certinho, sempre fui. Até me incomodava com isso. Era muito educado, muito responsável. Me achava superdesinteressante. As garotas da escola gostavam do bad boy, do playboyzinho que tinha uma motinho. E tinha um menino que era o bad boy total. Eu tinha muito medo dele, porque ele era “o” cara da cidade. Ele estudava na minha classe e eu lembro que ele falava e todo mundo abaixava a cabeça. Um dia ele chegou apontando o dedo pra mim e eu falei: “Não! Comigo você não vai folgar!”. Ele falou: “Ah, então me espera na saída!”. Foi marcado o duelo. E foi uma violência, porque eu fui pra cima do menino e quebrei a cara dele. Todo mundo da cidade veio me cumprimentar como uma forma de libertação. Eu que sou da paz precisei dessa violência pra me posicionar.
Um ex-funcionário seu foi à mídia dizendo que vocês tinham tido uma relação amorosa e que você o teria presenteado com um apartamento. Você o processou. No que deu isso? Ainda está em juízo. É uma história que não tem nada a ver com caso de amor, é uma história megaprofissional. Contratei essa pessoa pra trabalhar pra mim, e eu estou cobrando na Justiça o que eu acho que está errado. Tenho tudo isso documentado, e eu estou querendo que seja provado. Que ele me traga a prestação de contas. É uma coisa que virou, com a imprensa muito leviana, um caso de amor, até porque houve essa ameaça de uma certa forma. Ele não tinha argumento e houve uma sugestão de que ele poderia me ameaçar por aí, pela minha imagem. Eu realmente não posso falar mais sobre o caso. A imprensa não falou com ele, né? Então vão lá, falem com ele.
"Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém!"
Há uma tendência na mídia e na opinião popular de insinuar que astros jovens, talentosos e bonitos são gays. Isso acontece com você. Incomoda? Não. Porque tomo essa posição de não deixar afetar minha vida. O que importa é a sua verdade. Acho também que esse tema da sexualidade é tratado muito levianamente. Eu realmente evito falar sobre isso, porque qualquer coisa que a gente fale é usada contra a gente. Me recuso a ter que ficar explicando o que se passa na minha vida, em todos os sentidos. Com quem eu durmo? Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém! Sempre fui uma pessoa megadiscreta com a minha mulher. Não sou de ficar beijando em público. É uma opção minha. Hoje tem muitas histórias de pessoas vivendo outras realidades. Eu respeito pra caramba todo mundo. Quer viver a três? Eu agora vou fazer uma novela do Manoel Carlos em que viverei um triângulo amoroso. Sou casado com a Giovanna [Antonelli] , e ela se apaixona por uma mulher. Vai ser um reflexo do que está acontecendo por aí, a possibilidade de você viver a três, abrir o seu casamento. Se você está vivendo a sua vida de um jeito que você achou que vai funcionar, acho maravilhoso. Eu sou um cara que gosta de olhar tudo e escolher o que quer. As pessoas confundem muito isso. Se você é um cara sem preconceitos quer dizer que você faz tudo? Não. Não ter preconceito significa você poder escolher o que você quer, sem julgamento das pessoas com opção diferente da sua. Sou a favor dessa liberdade. Acho muito pequenas essas discussões. Outro dia o Sheik [jogador do Corinthians] deu um selinho no Isaac [Azar, chef de cozinha e empresário], um cara meu amigo, pai de família. A Hebe Camargo fez isso a vida inteira. Aí virou uma discussão se ele era gay ou não, foi a torcida lá com faixas brigar. O que tem a ver o trabalho dele em campo com quem ele leva pra cama? É uma invasão. É um país que finge ser livre, mas que acho muito pouco livre.
Quanto você cuida da sua imagem? Muito! Mas cuidar da minha imagem não é querer aparentar alguma coisa que eu não sou só pra poder ganhar dinheiro, por exemplo. Mostrar a imagem é mostrar quem você é. Não posso pegar e sair bêbado por aí, até em respeito às vovozinhas que me acham um cara legal, sabe? Eu não sou só um bom moço, embora eu queira ser muito legal. Eu quero que todo dia minhas relações sejam melhores, que eu possa melhorar como ser humano. Mas óbvio que também dou minhas derrapadas.
Você bebe? Socialmente. Não vou sair por aí bêbado, aloprando, beijando. Tem coisas que você faz dentro da sua intimidade. E acho que faz parte você dar uma piradinha, mas tem que ter um limite na exposição.
Como é a sua relação com as outras drogas? Na minha adolescência tinha muito medo de me aproximar das drogas. Como tenho essa coisa dos excessos, sou um cara muito intenso, falei: “Cara, tenho muito medo de gostar e de entrar num caminho sem volta”. Então a droga sempre me deu rejeição. Até meus 20 e poucos anos eu nunca tinha experimentado nada. Não que eu beba pra caramba, mas eu gosto de beber, é a minha droga. Gosto de tomar uma taça de vinho, um uísque, uma vodca, pra tirar um pouco o sargentão que a gente é. Mas eu também não caio no chão, não sou de perder a memória. Tenho uma resistência física muito grande.
Mas já teve seus porres... Claro. Mas eu tenho uma resistência tão grande que sempre fui aquele que leva os bêbados pra casa, mesmo tendo bebido mais do que todo mundo, desde adolescente. Lá pelos 20 e tantos anos fui experimentar maconha, que é uma coisa pela qual eu acho que fazem muito barulho por nada. Pra mim não fez grandes coisas. Hoje em dia eu tenho o maior prazer em dizer que realmente não é a minha onda. Acho muito baixo-astral, sem ser careta. Não sou careta com nada na vida.
Tem planos de casar novamente? Fui muito bem casado. Meu casamento foi uma coisa linda. Eu gosto muito de estar casado. Mas confesso que, putz, tenho falta de coragem de encarar um casamento hoje em dia. Acho muito bonito casar, ter filhos, mas acho que você tem que saber onde você está entrando. Estar solteiro, disponível pra vida, é muito legal também. “Você não quer ter um filho?” Quero! Mas tem que aparecer a pessoa especial, não faria uma produção independente.
Tem alguma coisa que poucas pessoas sabem sobre você? Eu odeio fazer foto, desde criança nunca gostei. Minha mãe não tem foto minha porque eu não deixava tirar. Agora estou começando a brincar com esse negócio do Instagram. Posto fotos de trabalhos meu, tipo “olha que imagem bacana”, mas nunca é foto de mim. Se for, tem a ver com o contexto que eu quero mostrar, uma situação engraçada. O ator é tímido quando ele tira a máscara, ele não quer se expor.
Pedro Baby
Pedro Baby pouco recorda da primeira vez que foi aos Estados Unidos. “Só me lembro do rebuliço todo em volta”, diz ele sobre quando, junto de suas irmãs e seus pais, Pepeu Gomes e Baby do Brasil, foram barrados na Disneylândia pelos patriarcas serem tão ou mais chamativos que as atrações do parque. O episódio até virou música. Sua segunda incursão em solo norte-americano, ao contrário, foi bem sucedida - embora o começo difícil. Com dois mil dólares no bolso e nada de inglês na boca, o rapaz, então com 16 anos, se debandou de casa como fizera sua mãe décadas antes. “Ou eu metia a cara nos estudos e dava uma parada com música ou eu partia pro mundo.” Em 1996 ele trocou as praias cariocas pelo Queens com o violão a tiracolo. Em pouco tempo já tocava na noite, juntando novas referências a conhecimento que trouxera na mala e no sangue. “[Meu pai] queria muito que eu manifestasse a vontade de ser músico por conta própria, mas os grandes ensinamentos vieram da convivência [com ele]”, lembra. Entre idas e vindas na conexão EUA-Brasil, Pedro foi colecionando trabalhos enquanto evoluía musicalmente. A lista já tinha Bebel Gilberto, Marisa Monte e Ana Carolina quando veio o convite fatal de Gal Costa: “Eu não esperava ficar na lista de músicos chamados e foi uma alegria muito grande. Me senti muito honrado”. Para fechar a mão de grandes cantoras só faltava ao bom filho tornar a casa. Aos 34 anos convidou a mãe a retornar aos palcos da música popular brasileira - que só aceitou após uma conversa divina e uma ajudinha terrena. “Você acha que Deus não quer que uma mãe toque com seu filho?”, brinca Baby do Brasil durante um dos elogiados shows da turnê Baby Sucessos. No palco, Pedro se reúne a amigos de longa data para tocar um repertório com poucas mudanças de arranjos e canções escolhidas a dedo por ele. Empunhando a guitarra e interpretando clássicos como “Masculino e Feminino”, o rapaz inevitavelmente faz lembrar seu pai, mas sua assinatura também soa nas cordas. Por isso mesmo um disco com seu nome escrito em letras garrafais não deve tardar, diz ele, mas sem deixar de lado as parcerias. “Independente de lançar um trabalho, de ter uma história minha, não quero deixar de colaborar com artistas que admiro e com músicos que me identifico”, avisa esse outro menino do Rio. Como você começou a tocar? E como era a relação com seu pai? O que eu pude ver de show, ensaio, de formar de lidar com música, o apego ao instrumento, tudo isso é tão importante quanto ter um professor falando. Ele queria muito que eu manifestasse a vontade de ser músico por conta própria, mas os grandes ensinamentos vieram da convivência. Tanto que quando eu comecei a demonstrar que aquilo era meu caminho, naturalmente surgiram mais oportunidades de aprender com ele. Mas sempre foi algo mais comigo mesmo. Me dou bem com ele. Tocamos juntos no passado. E qual a sua relação com sua família? Minha mãe criou a gente com muita liberdade. Cada um tem uma personalidade bem definida. Meus irmãos, como vieram de outra geração, não pegaram essa coisa de estrada, show, ensaio. São de uma geração de festa, rave, boate. Isso é uma cultura mais forte para ele. Os dois são produtores de música eletrônica, mas não se transformaram em músicos propriamente dito. Minhas irmãs tinham o SNZ, mas agora cada um segue seu caminho. Cada um correndo atrás do seu espaço, da sua onda musical. Não é fácil vir de uma família musical de onde vem uma certa responsabilidade para apresentar um trabalho de qualidade, uma carreira firme. Às vezes é mais difícil. Pode abrir portas, mas pode te prender. Então cada um tem buscado uma evolução, um caminho para seguir. A gente é junto, mas cada um com seu caminho. "Não é fácil vir de uma família musical de onde vem uma certa responsabilidade para apresentar um trabalho de qualidade, uma carreira firme. Às vezes é mais difícil. Pode abrir portas, mas pode te prender" E qual era o cotidiano na sua casa quando você era garoto? Meu pai sempre gostou de ter estúdio em casa, então me lembro muito de banda tocando, ambiente musical. Aquela alegria em casa. A extensão do que foi os Novos Baianos. Quando acabou a banda, a maior parte dos músicos seguiu na carreira solo do meu pai e da minha mãe, então já tinha um afinidade muito grande entre eles de convivência e aquilo se estendia na estrada. O que mais me fascinou foi esse convívio. Quase como se você estivesse com seus amigos da escola e tivesse aquela excursão! Eu sentia muito isso. A alegria, a bagunça que tinha na escola tinha no final de semana com aquela turma. Minha sempre procurou levar a gente, sempre que ela pode -- acho que ela levou até demais! Mas a gente queria muito. Eu também, por ser o homem mais velho, me fazia presente, buscava ser útil para participar de uma forma bacana. Era essa convivência até o período em que eles viviam juntos. Mudou um pouco quando eles se separaram e houve núcleos diferentes de convivência. Eu tinha entre 8 e 10 anos quando isso aconteceu. E como foi depois da separação? Os filhos todos continuaram com minha mãe, meu pai foi buscar outra casa, mas a gente continuou convivendo. Aí aconteceu outro núcleo: no trabalho da minha mãe tinha outros músicos, outra turma viajando, e no trabalho do meu pai era outra turma, outra banda. Naturalmente, uma criança sente um pouco a distância, a quebra daquele ambiente de convivência, mas minha mãe soube lidar muito bem. Ela conseguiu manter o elo. Foi uma adaptação que é normal na vida de muita gente. Apesar de eles terem uma imagem muito forte juntos, mais do que muitos casais. E por que depois de um tempo você resolveu ir aos Estados Unidos? Foi uma questão de oportunidade também. Aconteceu. Eu tinha 16 anos e comecei a sentir dificuldade de conciliar essa vida de estrada, estudos… Não estava rendendo bem: queria viajar, fazer show, queria me concentrar naquilo. Muito por causa do meu padrasto, um cara que teve a oportunidade de estudar em Boston, eu sempre ouvia as histórias. Como era a experiência de estudar fora. E eu também tinha um sonho de conhecer Nova Iorque desde pequeno. A meca da música, das coisas eletrônicas, das guitarras e tudo o mais. Sempre tive uma vontade muito grande de conhecer e até aquele momento eu não tinha ido para lá. Surgiu uma oportunidade através de um amigo. Ele me emprestou uma grana, já tinha morado lá e resolveu me levar. Eu não sabia uma palavra em inglês. Ou eu metia a cara nos estudos no Rio e dava uma parada com música ou eu partia pro mundo. Correr atrás de um negócio meu e realmente responder sobre meus atos. Acabei optando por isso. Graças a Deus eu tive sorte e hoje estou aí pagando minhas contas direitinho! Sua história é bem emblemática para artistas brasileiros. Ela lembra a do Tim Maia, que também foi para os Estados Unidos bem jovem. Como foi sua chegada lá? Eu fiquei impressionado com as condições que ele foi na época. É um negócio absurdo. As minhas condições foram um pouco melhores! Mas também foi quase “uga-uga”. Eu não falava uma palavra de inglês, tinha dois mil dólares e passagem de volta marcada para dois meses depois. A minha sorte é que eu tinha uma irmã morando lá, então ela me recebeu e dormi dois dias na casa dela. Mas como eu estava com um amigo e os apartamentos lá são pequenos, a gente tinha que arranjar um lugar. A gente teve que correr muito atrás e muito rápido. Em dois dias a gente alugou um apartamento no Queens, fora da ilha, e aí começou a vida. Aí você faz tudo até começar a trabalhar com música. Eu dei sorte que dentro de um mês estava fazendo conexões musicais e consegui entrar em um trabalho bacana. Foi a base da minha estrutura nos Estados Unidos nos primeiros 5 anos. Fernando Young/Divulgação Pedro e Baby Isso foi com a guitarra? Foi com o violão. Eu virei guitarrista anos depois. Quando eu fui para o aeroporto eu tinha essa dúvida de qual instrumento levar: eu tinha um violão e uma guitarra. Nessa hora foi que eu defini o caminho para minha vida também. Pelo fato de eu ter levado o violão, muitas portas se abriram nos Estados Unidos por ter a sonoridade brasileira. Na guitarra eu ainda era muito verde. Provavelmente se eu tivesse optado pela guitarra eu não teria sobrevivido. Seria o instrumento errado. Foi uma escolha determinante. Os trabalhos que eu consegui, consegui por causa do violão. Fazia show na noite. Inclusive dois integrantes da banda em que eu toquei estão hoje no trabalho da Baby. Pessoas que conheci lá, se tornaram amigos e até hoje estão comigo. Em 99 eu tive um convite do Davi Moraes para participar de um disco produzido por ele. Voltei ao Brasil para ensaiar, fazer shows, lançamento. Quando deu uma esfriada de novo meus amigos me ligaram com outra oportunidade nos Estados Unidos. Fechei a mala e resolvi voltar. Fiquei mais uns bons três anos. Foi quando surgiu convite para trabalhar com a Bebel Gilberto. Tinha um trabalho fixo. Isso foi em 2003. Você gravou algo com ela? Gravei. O convite para ficar na banda dela veio através do disco. Ela gravou uma composição minha em parceria com Daniel Jobim [a faixa "Everyday You’ve Been Away"]. Acabei gravando outras músicas no disco e quando vi era basicamente meio disco. Aí surgiu o convite para entrar na banda. Fiquei basicamente dois anos trabalhando com a Bebel. Aí comecei a ficar com saudade do Brasil, sentia falta da minha família, várias coisas que não eram latentes nos primeiros anos de Nova York. Voltei e fui gravar no disco Infinito Particular da Marisa Monte. No meio da gravação eu senti que ela estava montando uma banda nova que ia sair em turnê. Me ofereci para trabalhar com ela. Tinha acontecido um convite dela em 2000, mas ali, cinco anos depois, tive essa oportunidade e falei para ela que ia voltar ao Brasil. Foi quando fiz a turnê “Infinito Particular”. Conheci mais um integrante da banda da Baby nessa ocasião. Depois tive convite de trabalhar com a Ana Carolina durante dois anos e após isso surgiu o convite da Gal. Como foi seu trabalho com a Gal Costa? Foi uma surpresa. Eu não esperava ficar na lista de músicos chamados e foi uma alegria muito grande. Me senti muito honrado. Foi uma grande responsabilidade. Pela história dela, pela conexão com minha família - meu pai tocou com ela no disco Fa-Tal. Foi um momento de afirmação como músico. O trabalho tem uma visibilidade muito grande na parte musical porque são apenas três músicos. É preciso desenvolver uma história bacana. Depende muito de como você vai executar aquilo. Foi um desafio que eu levei com muita honra. Mais ainda por acompanhar a maior cantora do Brasil. Um dos filmes sobre os Novos Baianos se chama “Filhos de João”, em referência à influência do João Gilberto sobre o trabalho dos seus pais. Você também se considera um filho de João? João Gilberto foi uma coisa que, por mais que existisse a conexão com os Novos Baianos, eu não tinha a consciência musical de quanto aquilo foi importante para eles. Só vim a ter essa consciência musical quando eu fui morar nos Estados Unidos. Foi quando eu tive meu encontro com o João Gilberto. Depois eu liguei uma coisa a outra. Descobrir isso foi muito determinante na minha escola musical. O caminho harmônico e melódico, a síntese do samba, a influência da música brasileira que vem com ele. Depois de todos esses projetos, nem de longe você pode ser visto como músico de apoio. Seu trabalho como compositor, em que medida ele afeta os shows que você faz hoje com a Baby? Essa parte de compor, para mim, veio primeiro. Comecei a tocar porque eu tinha melodias na minha cabeça e queria fazer música. Quando eu fui para os Estados Unidos tocar na noite foi quando eu comecei a aprender a tocar canções de outros artistas, conhecer outros universos musicais. A composição vem primeiro e é um processo que não para. Tem as safras. Tem épocas que você está muito mais propício a compor e tem outras que você está focado em realizar trabalhos, ideias que já concebeu, arranjos que já pensou e aí você vai para estrada botar aquilo em prática. E onde está sua assinatura nesse espetáculo enquanto diretor musical e guitarrista? Primeiramente na escolha do repertório. É onde está o conceito de todo o trabalho. No que eu queria mostrar pro público. Isso é onde está minha maior assinatura. Além disso tem a escolha das pessoas que estão trabalhando comigo, pelo fato de terem uma relação pessoal comigo, é importante para o clima do que está acontecendo no palco. E na questão dos arranjos não tinha muita coisa para ser mexida. Não tem como descaracterizar algo que tem uma personalidade muito forte. Você precisa adaptar isso para a realidade dos músicos atuais. Não tinha sopro originalmente, por exemplo. O dedo está nessas questões fora do palco e na liberdade para para fazer a leitura de uma forma nova. Tem algum momento em que você toca guitarra baiana, instrumento que seu pai usou? Não. Foi um instrumento que eu não desenvolvi por bobeira minha. Talvez por não tê-lo e não me identificar tanto com ele. Eu vim do violão, trabalhei muitos anos como violonista. Não ter tido uma guitarra baiana para estudar aqueles temas todos. Me tornei guitarrista quando trabalhei com a Ana Carolina. Ela me viu tocar a primeira vez quando eu produzi o disco da Preta Gil. A gente fez um show, a Ana me viu tocando guitarra e a visão dela era de guitarrista. Quando eu fui trabalhar com ela eu tive a oportunidade de pegar o instrumento, explorar ele no palco. Então não foi nos Estados Unidos? Não. Lá foi muito pouco. Eu era muito verde como guitarrista lá. Você pretende voltar ao violão? Não abandonei, não! No show da Gal é 60% guitarra e 40% violão. É um lugar em que posso tocar violão do jeito que eu gosto. Ela tem uma influência do João muito forte. Não só dele, mas também do Jorge Ben, o violão mais escovado, do Gilberto Gil, com “Barato Total”. O trabalho da Gal é um resumo. Tem um pouco de tudo. Tem o lado guitarrista forte, tem solo, guitarrista melodioso, violão de samba, violão suave, violão escovado. O show dela é bem completo. Acho até que por essa formação do violão eu fiquei ali na lista dela. E você e o Davi Moraes? Vocês são grandes amigos, certo? Sim. O Davi tem uma importância muito grande. É um cara que abriu caminhos pra mim no Brasil. Pelo músico que ele é, pela escola que ele representa, ele me trouxe junto. O fato de ele ter tocado com a Marisa estabeleceu um universo musical que depois eu dei segmento. Com o Moraes que ele me deu oportunidade de trabalhar. Não só por isso, mas pelo fato de ele ser muito ligado ao meu pai e eu não ter meu pai mais em casa, ele me mostrou muita coisa. Isso eu tive com o Davi. "Hoje em dia o artista acaba buscando primeiro ser uma celebridade que realmente ser um artista de música. O foco acaba sendo nisso: na fama, um caminho de popularidade que talvez vá levar a música mais longe, mas isso não perpetua" No mundo como um todo você acha que a música boa está perdendo espaço? O foco é outro. É muito na imagem, comportamento, estilo de vida. Está mais por aí que propriamente a música, a canção, a mensagem. Quando você fala em imagem e comportamento, não tem como não pensar nos Novos Baianos. Eles trazem informação não só pela canção, mas também pela imagem e pelo comportamento. Hoje em dia é o inverso, não acha? A imagem e o comportamento nos Novos Baianos era uma coisa natural que era incrível justamente por isso. Por trás daquele comportamento vinha aquela música com força tão grande. Não adianta nada ter aquele comportamento todo e a música não falar. Provavelmente se o comportamento não fosse aquele, mas a música fosse daquele jeito, também teria uma força. Acho que o bacana é a união das duas coisas naturalmente. Hoje em dia o artista acaba buscando primeiro ser uma celebridade que realmente ser um artista de música. O foco acaba sendo nisso: na fama, um caminho de popularidade que talvez vá levar a música mais longe, mas isso não perpetua. Parece que você está sempre acompanhado do Betão [filho do Paulinho Boca de Cantor], do Davi Moraes também... Queria entender melhor se vai rolar alguma coisa com eles, se você tem projeto solo… Tenho vontade de fazer coisas com diversas pessoas que eu gosto. Tenho a intenção de lançar meu trabalho solo, minhas canções, músicas que gosto de tocar, interpretar. Tenho vontade de fazer isso. Em disco mesmo tenho vontade de lançar minhas canções. Independente de lançar um trabalho, de ter uma história minha, não quero deixar de colaborar com artistas que admiro e com músicos que me identifico. São coisas que não quero deixar de fazer. Quero arranjar um equilíbrio bacana. A fonte de inspiração e de novas ideias é esse bate-bola com pessoas que você se identifica. Provavelmente a gente vai fazer coisas juntos. É natural. Não dá pra fugir disso. É questão de tempo. No momento o foco é esse DVD da Baby e na sequência eu quero gravar um disco do show. Eu quero fazer tudo isso até o final do ano. Para fechar: às vezes rola uma bronca da sua mãe no palco? “Não sola tanto” ou algo assim?! Não, não! A bronca, se tiver, é minha! Eu que fico, em determinados momentos, cuidado pra gente ir num caminho. Mas ela se diverte muito, ela adora. Tem um cuidado para deixar tudo bacana. Tem uma questão de proteção muito forte. É um instinto. Tem isso de deixar tudo bacana para ela poder se divertir, curtir. No fundo ela está ali se divertindo! O episódio da Disneylândia, em 1983 Pedro Baby em 2013
Pedro Baby: A música sempre esteve presente em casa, mas eu comecei a tocar a partir dos 14 anos. Eu tinha violão em casa e um dia eu estava tentando arranhar um acordes de “Preta Pretinha”, meu pai meu viu tocar e me mostrou uns dois ou três acordes da música. Isso é uma lembrança clara que tenho. Foi através do violão, naquele momento, que comecei a tocar. Depois fui evoluindo. Na época, meu padastro, o Nando Chagas, formado na Berkeley, foi uma pessoa que me auxiliou muito. Me deu muito material para tocar. Com um tempo eu comecei a dar canja no show da minha mãe, mas só um bom tempo depois que eu comecei a participar das coisas com meu pai. Mas isso durou até os 17 anos, quando eu decidir ir embora para os Estados Unidos.
Mas você traz referência de guitarrista de lá? Com certeza. Não precisava nem ir lá. Meu pai tem uma referência muito forte do Jimi Hendrix, do Santana, do Jeff Beck, Stevie Ray Vaughan. Pelo meu padrasto eu tinha uma influência do George Benson, esses caras mais do jazz.
Bruno Pesca
Kishore Kumar
O convidado de hoje do Trip FM não é jornalista nem correspondente internacional, mas já visitou alguns dos países e regiões que vivenciam atualmente as maiores crises políticas, econômicas e ecológicas do planeta. Ele também não é surfista profissional, mas já pegou algumas das ondas mais perfeitas e conheceu alguns dos picos mais secretos que existem na Terra.
Carioca, ele é formado em economia pela UFRJ e durante cinco anos atuou no mercado financeiro até que, em 2008, foi despedido do banco de investimento onde trabalhava. Inspirado pela máxima que diz que os momentos de crise são os melhores para se reinventar, ele juntou alguns amigos e formatou o programa de televisão exibido pelo Multishow, o Não Conta Lá em Casa, um programa de turismo que deixa de lado os destinos mais procurados e badalados para visitar regiões inóspitas como Mianmar, Coréia do Norte, Irã, Iraque, Somália, Afeganistão, Bósnia, entre outros lugares bem pouco hospitaleiros.]
Como bom economista ele viu nessas viagens uma oportunidade para surfar em picos clássicos, sábia decisão que lhe rendeu passagens pela Indonésia, África do Sul e, inclusive, um segundo programa de televisão, este exibido pelo canal Off, o A Vida que Eu Queria, onde ele desbrava ao lado do amigo Marcelo Trekinho alguns dos mais belos picos de surf do mundo. O papo hoje aqui no Trip é com Bruno Pesca.
Playlist da semana:
Stray Cats - Stray Cat Strut
Mutantes - Ando Meio Desligado
Ben Lee - Song for the Divine Mother of Universe
Johnny Cash - Further on up the Road
Specials - Rat Race
Da Lua em voo solo
Adriana Vianna
Gustavo Da Lua há 10 anos é percussionista da Nação Zumbi, que desde os anos 90, quando foi criada por Chico Science, é uma das maiores bandas ainda em atividade no Brasil. Também já tocou ao lado de Otto, Los Sebosos Postizos, 3namassa e outros nomes importantes da música brasileira. Neste mês o músico lançou seu CD solo, que recebeu o nome de RADIANTESUINGABRUTOAMOR, um hino ao sexo feminino, com temática romântica e em defesa do amor. "Uma lição de anatomia", segundo o escritor e jornalista Xico Sá.
São 13 faixas com melodias e arranjos bem marcados que permitem ao ouvinte mergulhar na sonoridade do músico, que exprime sua identidade artística em cada uma delas. A canção "O Transeunte", produzida por Fernando Catatau (do Cidadão Instigado), ainda faz parte da trilha sonora do filme Transeunte, dirigido por Eryk Rocha.
O show de lançamento está marcado para esta sexta-feira, dia 25 de outubro, em São Paulo.
Ele contou para a Trip um pouco mais sobre o álbum.
Trip. Quando surgiu a vontade de criar algo que fosse exclusivamente seu?
Gustavo Da Lua Ah, já faz bastante tempo, desde quando criei o Sheik Tosado, em 1996, com o China e os meninos. Eu tocava percussão, ajudava nas composições e fazia os backing vocais. Aí entrei na Nação Zumbi e, tocando com eles, nos projetos deles, Seu Jorge & Almaz e outros, algumas oportunidades foram surgindo: fiz um tema pro filme Besouro, a Céu gravou Quilombo te espera no Sonantes, gravei uns backings no disco do Otto, do Lirinha... Enfim, a vontade foi ficando cada vez mais forte em mim. Depois o Catatau chegou com "O Transeunte", um presente dos deuses. Agora tá aí, nasceu a criança. [risos]
Como é a experiência de lançar um trabalho solo depois de dez anos acompanhando a Nação Zumbi e o que muda quando se está sozinho? Rapaz, é uma experiência nova e está sendo massa. Pra mim, que sempre toquei em banda, fazer o meu foi uma evolução pessoal, íntima. Tive que estudar, fui tocar violão, ler outras coisas, me “trancar” no estúdio bastante tempo.
Como soa, para você, falar sobre o amor hoje em dia? O amor é inspiração, não pode ficar escondido, nem ter subterfúgios, nem ser entendido, estudado. Então também não precisa de rótulos – já que todo mundo tem medo de parecer isso ou aquilo quando ama ou fala de amor. Sem essa, sem cerimônia. Eu tento falar de um jeito espontâneo, querendo dizer que é simples, não precisa fazer força.
"Meu disco fala desse amor; pelo lugar, pela origem, pela mulher, pela saudade"
O Manguebeat influencia bastante no RADIANTESUINGABRUTOAMOR? Ah, influencia muito, sem dúvida. Sou de Olinda e vi os caras botando a cultura do meu Estado no mundo, contextualizada. Meu disco fala desse amor; pelo lugar, pela origem, pela mulher, pela saudade.
A faixa O Transeunte, que é produzida pelo Catatau, é trilha sonora principal do filme de Eryk Rocha. Ela foi criada para o filme ou a ideia surgiu depois? O Catatau assina a trilha do filme; ele compôs a música e me convidou para cantar. Aí, meu irmão, quando eu ouvi, fiquei muito, muito instigado a cantar as minhas coisas. Ele me incentivou muito, foi um dos caras que me deu o pontapé inicial.
Vai lá: Gustavo Da Lua - Lançamento RADIANTESUINGABRUTOAMOR
Quando? 25 de outubro, sexta-feira, à 1h (abertura da casa às 23h)
Onde? Da LEoni (antigo Studio SP) - Rua Augusta, 591 - São Paulo
Quanto? R$30 ou R$60 (consumação)
Ouça e faça download pelo site: www.gustavodalua.com
Gilda Midani
Gilda Midani Ela é dona de uma história de vida invejável. Gilda Midani viajou o mundo, se relacionou com figuras ilustres da cultura brasileira, como o jornalista Tarso de Castro, o diretor de fotografia Tuca Moraes, o diretor de teatro Geral Thomas e com André Midani, seu atual marido, um dos nomes mais importantes da MPB brasileira. Fotógrafa e figurinista, ela trabalhou com nomes de peso da música nacional, como Caetano Veloso e Lenine, e fez figurinos para diversas companhias de teatro pelo mundo. Em sua mais nova fase, ela tem feito bastante sucesso como estilista, com uma criação muito original e particular. Gilda Midani é mãe da Ana e do João Vicente, ator e um dos criadores do fenômeno da internet Porta dos Fundos, e sogra da nossa querida amiga Sabrina Sato. Essa entrevista com a Gilda foi feita pela jornalista Micheline Alves para a revista Tpm e a gente separou alguns dos trechos mais divertidos e interessantes. O Trip FM vai ao ar na sexta-feira, na Grande São Paulo, às 21h, reprise toda terça-feira, 23h, pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz. Não é de São Paulo? Veja aqui as cidades e as rádios onde o programa é transmitido.